Não podendo amar a Deus sem praticar a caridade para com o próximo, todos os deveres do homem se encontram resumidos neste ensinamento moral: Fora da caridade não há salvação.[1]
O topo moral do ensinamento em que eu entendo é a caridade. Isso está muito bem contextualizado nos “ Evangelhos de MT. MC. LC e João” , “O Mandamento Maior” onde (se lê muito) reúne o ensinamento de Jesus na síntese do maior mandamento de todos. Não mais “Fora da Igreja ou fora da verdade não há salvação” que privilegiariam alguma fé religiosa em especial como a detentora da verdade última, gerando divisões e disputas pelo poder religioso tão comuns em todos os tempos, e ainda em nossos dias.
O apóstolo Paulo, em seu “cântico aos Coríntios”, imortalizaria a caridade como a mais estimada das virtudes, percebendo ele também, e desde a sua época, o valor máximo das qualidades do coração expressos na ação de bondade para com o próximo.
Ainda que eu fale as línguas dos homens e até mesmo a língua dos anjos, se não tiver caridade, sou apenas como um metal que soa e um sino que tine; e ainda que tivesse o dom de profecia, e penetrasse em todos os mistérios, e tivesse uma perfeita ciência de todas as coisas; e se tivesse toda a fé possível, capaz de transportar montanhas, se não tiver caridade, nada serei...
Agora, estas três virtudes: a fé, a esperança e a caridade permanecem; mas entre elas, a mais excelente é a caridade.[2]
Então retomando o ensinamento do Cristo recoloca a caridade como a sentença que apresenta o maior valor democrático na acepção das virtudes, uma vez que ela está ao alcance de todos. Dirá também que somente através desta é que alcançaremos a “salvação”.
Porém, o que é salvação?
A ideia de salvação nasce do conceito religioso de que as almas podem se salvar ou não depois da morte física. Mais habitualmente estamos acostumados a ideia de céu e inferno. O céu seria o lugar teológico para onde vão as almas que se salvam, aqueles que foram bons na Terra em sua existência. O inferno é o oposto, é o local para os que não se salvaram porque não fizeram por merecer esse prêmio definitivo, devido às suas atitudes infelizes durante a existência.
Pois bem, a meu ver, preceituo que não existem esses lugares teológicos definitivos, são alegorias para estados emocionais e de evolução espiritual transitórios conforme o progresso do espírito imortal. Na continuidade evolutiva, pela imortalidade da alma todos alcançarão a plenitude. Assim entendemos que a salvação a que o (...) se refere não é a um episódio único e definitivo que nos espera após a morte e sim a uma condição moral que se estabelece desde a existência e, que prosseguirá para além desta. Salvação não se refere pois a um “lugar”, e sim a um estado de alma em que situações emocionais de tormento ou aflição acompanham o ser enquanto este não alça vôos mais altos na escala das virtudes.
Em um exemplo, alguém que vive amargurado em seu próprio mundo, não percebendo nada e ninguém além de si próprio, cria para si um “ambiente” de sofrimento mental, um inferno interior. Por outro lado, se essa mesma pessoa descobre potenciais adormecidos dentro de seu mundo íntimo e sai na direção do seu semelhante na ação da caridade, resultará para si mesmo, a partir dessa iniciativa, um novo estado de ânimo, onde emoções mais satisfatórias surgirão no seu campo emocional. Sai do “inferno” do próprio isolamento, para o “céu” da cooperação. Salva-se a si mesmo.
A salvação é assim uma ação pessoal e não um julgamento exterior. É o próprio indivíduo que se salva a si próprio. Não se dá na esfera de um tribunal, mas no único espaço onde pode ser percebida a lei de Deus, a consciência.
Salvamo-nos, pois, através da caridade.
Mas, o que entendemos por caridade?
Vamos refletir um pouco sobre o que normalmente pensamos sobre caridade.
Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus?
“Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros, perdão das ofensas.”[3]
A resposta do Espírito de Verdade à Kardec deixa-nos uma importante indagação. Caridade é algo que podemos “fazer”?
É possível praticar benevolência ou indulgência?
Fazemos caridade ou somos caridosos?
Na verdade, o indivíduo “é” benevolente e indulgente para com o seu próximo.
A virtude da pessoa que perdoa é a misericórdia. Também aqui ela não pratica o perdão e sim, é misericordiosa.
Desse modo o substantivo “caridade” não pode ser conjugado com o verbo “fazer” e sim com o verbo “ser”.
Aprendemos que precisamos fazer caridade.
Talvez seja melhor raciocínio aprendermos a ser caridosos.
Obviamente que a ação na caridade envolve um processo evolutivo em que atividades beneficentes oferecem um campo prático para a experimentação e sensibilização pessoal de voluntários de boa vontade, no entanto essa ação não pode se constituir em processo mecânico, tão frequente em indivíduos que transformam em tarefas comuns tudo o que fazem, tornando-se como robôs de compromissos assumidos. Fazer caridade ou exercitar qualquer virtude de caráter moral com hora e local marcados são estágios preliminares no processo de maturidade psicológica. São como treinamentos para alcançar possibilidades mais avançadas.
Observamos esse movimento em determinadas iniciativas dentro do contexto religioso. Estabelecem-se dias e horários para “a caridade” como se, cumprindo determinada agenda de compromissos morais, a pessoa se credenciasse para obter vantagens junto ao Criador. Essa postura tem mais relação com a atitude infantil e imatura da mente humana ainda afeita a negociar e barganhar benefícios pessoais com o poder supremo. Não estamos dizendo, com isso, que não se possa ter compromissos de caridade em instituições por exemplo, ou que não haja valor nessas iniciativas, mas que no sentido amplo do que significa caridade, necessário se faz entender que essa virtude é uma conquista do ser como um todo, e que, portanto, manifesta-se como uma expressão contínua do indivíduo.
Pessoas que fazem o bem pelo verdadeiro sentimento de amor ao próximo, assim se movem por um sentido de “recompensa interior”, como uma necessidade existencial que não precisa ser divulgada ou reconhecida externamente. Não há necessidade de divulgação, aplausos ou recompensas externas. As satisfações vêm de dentro e é mais do que suficiente para quem as pratica.
Estudos recentes apontam para evidências de impacto positivo da caridade no cérebro em exames de neuroimagem cerebral. É o caso do trabalho do Dr. João Ascenso (Revista Saúde da Alma ed. 00, agosto/setembro, 03 set. 2010, Editora AME - BR), no qual o autor postula o envolvimento de voluntários engajados em ações de caridade, movidos pelo autêntico sentimento de compaixão e as repercussões percebidas nas imagens em exames de ressonância nuclear magnética que mostraram, nesses indivíduos, uma marcação na área pré-frontal denotando o envolvimento dessas estruturas nesse tipo de comportamento.
O curioso é que também estão envolvidos em iniciativas de engajamento moral, os circuitos de recompensa, que são áreas cerebrais responsáveis pelas variadas expressões de prazer no campo sensorial e emocional. Isso explicaria a sensação de prazer extremo que sentem as pessoas que genuinamente praticam a caridade, tornando as ações no bem, práticas fortemente prazerosas, quando executadas de modo autêntico e espontâneo.
Dessa maneira, poderíamos pensar que há uma íntima relação entre decisões e iniciativas altruístas, áreas cerebrais de recompensa e sistema de afiliação. Há um legítimo prazer na caridade, falamos de prazer sensorial, não apenas poético como normalmente se pensa, porque estão envolvidas estruturas cerebrais verdadeiramente.
Essas evidências derrubam determinadas pressuposições do pensamento comum que situam a caridade no âmbito do sacrifício pessoal apenas. Há um certo consenso que fazer caridade está relacionado a sacrificar-se e a abdicar de aspectos prazerosos pessoais em benefício dos outros. No entanto, parece não ser bem assim. Quem age verdadeiramente na caridade, alegra-se e amplia a sensação de prazer. Quando observamos a vida de pessoas caridosas percebemos isso.
Hoje podemos entender melhor o que Jesus dizia em Mateus 6:1-8:
Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles; de outra sorte não tereis recompensa junto de vosso Pai, que está nos céus.
Quando, pois, deres esmola, não faças tocar trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
Mas, quando tu deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita; para que a tua esmola fique em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
E, quando orardes, não sejais como os hipócritas; pois gostam de orar em pé nas sinagogas, e às esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo que já receberam a sua recompensa.
Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.
E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos.
Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes.
REFERÊNCIAS:.
Paulo, 1ª. Epístola aos Coríntios, 13:1 a 7, 13.
Reflexão de estudo Ribeiro Nilton da Silva- Estudo dour
trinário (A.K).
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