A VERDADE E A LENDA SOBRE MARIA MADALENA:
UM RESGATE DA SUA HISTÓRIA.
O que dizem os outros evangelhos?
Foi esposa de Jesus?
Foi pecadora?
Foi a verdadeira fundadora do cristianismo?
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Capivari-SP
– 2017 –
José Lázaro Boberg
A VERDADE E A LENDA SOBRE MARIA MADALENA:
UM RESGATE DA SUA HISTÓRIA.
O que dizem os outros evangelhos?
Foi esposa de Jesus?
Foi pecadora?
Foi a verdadeira fundadora do cristianismo?
Ficha catalográfica
Boberg, José Lázaro, 1942O Evangelho de Maria Madalena / José Lázaro Boberg –
1ª ed. agosto 2017 – Capivari-SP: Editora EME.
240 p.
ISBN 978-85-9544-011-1
1. O Evangelho de Maria Madalena. 2. História da Bíblia.
3. Evangelhos gnósticos x canônicos. 4. Pesquisas científicas
sobre os primórdios do cristianismo.
I. TÍTULO.
CDD 133.9
© 2017 José Lázaro Boberg
Os direitos autorais desta obra foram cedidos pelo autor para a Editora
EME, o que propicia a venda dos livros com preços mais acessíveis e
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A Editora EME mantém, ainda, o Centro Espírita “Mensagem de
Esperança” e patrocina, junto com outras empresas, a Central de
Educação e Atendimento da Criança (Casa da Criança), em Capivari-SP.
CAPA | André Stenico
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO | Marco Melo
REVISÃO | Editora EME
1ª edição – agosto/2017 – 3.000 exemplares
SUMÁRIO
Introdução................................................................................ 7
Prefácio ................................................................................... 17
Primeira Parte
O que dizem sobre ela os outros evangelhos?..................... 21
1. O início do cristianismo.................................................. 23
2. Os cátaros ......................................................................... 29
3. O espiritismo é gnóstico? ............................................... 35
4. A biblioteca de Nag Hammadi...................................... 39
5. A origem do nome de Maria Madalena....................... 43
6. Maria Madalena nas fontes mais antigas..................... 47
7. Várias “Marias” do Novo Testamento......................... 57
8. Quando começou a confusão?....................................... 67
9. Que tinha Jesus de “especial”
que atraía as mulheres? .................................................. 75
10. Sua mensagem apocalíptica atraía os marginalizados .. 83
11. Maria Madalena nos evangelhos gnósticos................. 91
12. Por que só quatro evangelhos?.................................... 121
13. Afinal, Maria Madalena foi ou não, esposa de Jesus?.. 127
14. Para onde foi Maria Madalena
após a ressurreição de Jesus?....................................... 145
15. Revisão da doutrina oficial da igreja católica............ 151
16. Se não foi pecadora, como ficam agora
os escritos mediúnicos sobre ela? ............................... 155
Segunda Parte
O evangelho de maria – Miryam de mágdala .................... 171
1. A descoberta do Evangelho de Maria............................ 173
2. Estrutura do evangelho................................................ 177
Apêndice 1 ........................................................................... 231
Apêndice 2 ........................................................................... 243
Referências bibliográficas .................................................. 249
INTRODUÇÃO
Escrever sobre a história de Maria Madalena –
adverte Helenas Barbas, logo na primeira frase da In‑
trodução de Madalena – história e mito (p.11) “é escre‑
ver que, primeiro de tudo é preciso esclarecer que a
Verdade sobre Maria Madalena é que não há Verdade
nenhuma”.
Confesso que, quando iniciei as pesquisas sobre ela,
a minha visão era uma, depois dos estudos, é outra. Es‑
tava preso ainda à imagem que se propagara pela poeira
dos tempos, a de que ela era uma “pecadora”, ou, para
ser mais claro, “uma prostituta da qual Jesus tirara sete
demônios”. Pensava, como a grande maioria, na figura
de uma mulher charmosa, de longos cabelos, atormen‑
tada por seus pecados e que, de algum modo, representa
a imagem penitencial da Igreja. Nos quadros e obras de
arte, ela sempre aparece com roupas provocantes, um
manto vermelho, cabelos soltos, ajoelhada junto à cruz
ou atirada devotamente aos pés de Jesus. Essa é a figura
8 | José Lázaro Boberg
que tinha dela, mais por força do que se fala dela, do que
o que ela realmente foi.
Nessa busca, no entanto, não encontrei nenhum epi‑
sódio que confirmasse a presença de Maria Madalena
como prostituta. Desafio também o leitor a fazer o mes‑
mo. De onde, então, teria surgido essa história? Quem
era, de fato, Maria Madalena? A ligação errônea das pas‑
sagens evangélicas que falam dela levou a identificá-la
com a pecadora (prostituta?) que ungiu os pés de Jesus
(Lc. 7:36-50). E esse erro, infelizmente, virou verdade de
fé. O inconsciente coletivo guardou na memória a figura
de Maria Madalena como mito de pecadora redimida,
fato considerado normal nas sociedades patriarcais an‑
tigas. A mulher era identificada com o sexo e ocasião de
pecado por excelência.
Quando me tornei espírita, parti para investigação,
através das comunicações mediúnicas, mas, para minha
decepção, não encontrei outra informação, senão aquela
que os livros bíblicos já registravam sobre ela. Assim,
se buscarmos a literatura mediúnica, vários espíritos se
referem a ela, através de médiuns confiáveis, porém, na
mesma linha de pensamento, que registram os evange‑
lhos oficiais da Igreja, os canônicos (Marcos, Mateus, Lu‑
cas e João), como a “prostituta que foi curada por Jesus”.
Com os Evangelhos apócrifos encontrados em 1945,
em Nag Hammadi no Egito, inclusive o próprio Evangelho de Maria Madalena, também considerado apócri‑
fo, surgem os primeiros sinais de sua importância, re‑
legada pela Igreja, a ponto de chamá-la de meretriz, de
pecadora da qual saíram sete demônios (espíritos). Essa
O Evangelho de Maria Madalena| 9
descoberta extraordinária pôde nos fornecer “pistas”
mais concretas sobre Maria Madalena histórica e não
apenas ilações.
Atente-se, todavia, que até então, não tinham ainda
sido descobertos Os Evangelhos gnósticos. Curiosamente, o
primeiro a ser descoberto foi O Evangelho de Maria – Miryam de Mágdala – em 1896, porém, só publicado em 1955,
por motivos que exporei, ao tratar, especificamente, sobre
esse documento, na segunda parte deste livro. Os demais
gnósticos, entre eles, O Evangelho de Tomé, de Filipe, Pistis
Sophia, foram encontrados, em Nag Hammadi no Egito,
por volta de 1945. Por conta disso, a única fonte de in‑
formação, tomada como referência, sobre Maria Madale‑
na era a dos Evangelhos canônicos, únicos considerados
“verdadeiros” pela Igreja católica.
Estes Evangelhos gnósticos foram tachados de apócrifos (falsos). Seus defensores foram considerados heréti‑
cos pela Igreja e, portanto, deveriam ser perseguidos até
a morte. Então, todo documento que falava sobre Maria
Madalena – que era gnóstica – foi literalmente enterrado.
Abordarei com anotações importantes o assunto no ca‑
pítulo 2, quando comentarei sobre os cátaros, que eram
gnósticos, e a perseguição sofrida por eles pela Igre‑
ja católica.
Quero deixar bem claro que sempre tive interesse em
conhecer a verdadeira história de Maria Madalena. Ao
começar o estudo sobre a doutrina espírita, confesso ter
ficado profundamente emocionado, quando me deparei
com a mensagem de Emmanuel, por meio de Francisco
Cândido Xavier, no livro Caminho, verdade e vida, cap. 92:
10 | José Lázaro Boberg
Dentre os vultos da Boa-Nova, ninguém fez tanta
violência a si mesmo, para seguir o Salvador, como
a inesquecível obsidiada de Magdala.
Nem mesmo Paulo de Tarso faria tanto, mais tar‑
de, porque a consciência do apóstolo dos gentios era
apaixonada pela Lei, mas não pelos vícios. Madale‑
na, porém, conhecera o fundo amargo dos hábitos
difíceis de serem extirpados, amolecera-se ao conta‑
to de entidades perversas, permanecia “morta” nas
sensações que operam a paralisia da alma; entretan‑
to, bastou o encontro com o Cristo para abandonar
tudo e seguir-lhe os passos, fiel até o fim, nos atos de
negação de si própria e na firme resolução de tomar
a cruz que lhe competia no calvário redentor de sua
existência angustiosa. (Os grifos são nossos).
Embora a mensagem de Emmanuel fosse calcada na
única informação que se tinha, de que ela era “pecado‑
ra”, hoje, pelas descobertas de Os Evangelhos gnósticos,
não se tem qualquer comprovação de ter sido ela uma
meretriz; era, pois, o conceito que eu também tinha dela.
A mensagem me levava a admirar a luta de Madalena
para “abandonar os hábitos difíceis de serem extirpa‑
dos”, na avaliação de Emmanuel.
Assinale-se que ela é a única mulher a ter um “evan‑
gelho” com seu nome. Antes da descoberta do Evange‑
lho que leva o seu nome, bem como dos outros gnósticos
da biblioteca de Nag Hammadi expurgados pela Igreja,
ela trazia apenas a “marca” dos Evangelhos canônicos,
formatados pela Igreja. Algo me dizia que ela não era a
O Evangelho de Maria Madalena| 11
mulher pintada na religião oficial. Por conta desse im‑
pulso, parti para este trabalho de pesquisa. Para minha
felicidade, não foi em vão.
Busquei, então, garimpar tudo que falasse dela em
Os Evangelhos gnósticos, até então, tidos como “apócri‑
fos”, pela ótica da Igreja, onde encontrei outra versão
sobre ela, totalmente oposta ao que conhecia. Algo me
impulsionava a “resgatar” a figura de Maria Madale‑
na, colocando-a no seu devido lugar: a da mulher mais
importante do cristianismo. Com a análise desses Evan‑
gelhos, surgem os primeiros sinais de sua importância,
relegada pela Igreja, a ponto de chamá-la de meretriz,
de pecadora da qual saíram sete demônios. Várias pistas
foram surgindo sobre essa extraordinária mulher, como
fato histórico e, não apenas, por ilações criadas pelo ima‑
ginário popular.
Com este pensamento – conforme já reportado – a li‑
teratura mediúnica, no geral, também se inspirou nessa
única fonte de informação: os Evangelhos canônicos. Nes‑
ses documentos oficiais da Igreja, ela é retratada, nos
comentários, tanto pelos seus líderes religiosos, como
também pela população, como a mulher de vida desre‑
grada, que fora curada por Jesus e se lhe tornara a sua
mais importante discípula. Sobre este tema, reservei um
capítulo todo, no final da primeira parte desta obra, com
várias comunicações mediúnicas, para que o leitor possa
“refletir” e extrair as suas próprias conclusões.
Maria de Magdala, ou Maria Madalena, é a figura fe‑
minina mais citada no Novo Testamento, ainda mais que
Maria, a mãe de Jesus. O que não se sabia antes, prin‑
12 | José Lázaro Boberg
cipalmente pela população, é que existia até um Evangelho de Maria, redigido no século II d.C. É importante
informar, inicialmente, que, assim como os Evangelhos
canônicos, pela ordem de surgimento, Marcos, Mateus,
Lucas e João, são apenas “atribuídos”, mas não “escri‑
tos” por eles, igualmente, ninguém sabe quem escreveu
o Evangelho de Maria Madalena. Assim entendendo, é que
MACK assinala que “todos os escritos primitivos po‑
dem ser vistos como compêndios da história social de
um grupo. Cada texto, então, pode ser estudado como
expressão do pensamento e dos discursos particulares
de um determinado grupo existente naquele tempo”.1
É
com este intento que, já há alguns anos, vêm sendo feitos
estudos e pesquisas para conhecer a verdadeira história
de Madalena. Nesse trabalho, está sendo resgatado tam‑
bém o inconsciente do cristianismo, fragmentos de uma
memória recalcada pelos primeiros patriarcas da Igreja.
Desde cedo, ela – como todas as mulheres judaicas
– é discriminada pelo machismo judaico, em que se lê
que as mulheres que andavam com Jesus “haviam sido
curadas de espíritos malignos e doenças” (Lc 8:1-3). E os
homens, por que seguiam Jesus? Foram também cura‑
dos? Por que essa discriminação de que as mulheres,
que seguiam Jesus, o faziam por terem sido curadas de
espíritos malignos? Você não acha isso esquisito? De fi‑
gura mais importante do início do cristianismo, ela é re‑
duzida à condição de pecadora penitente. Conforme ve‑
remos, quando o assunto for tratado, as mulheres eram
1 MACK, Burton L. O Evangelho perdido – O livro de Q e as origens cristãs, p. 17.
O Evangelho de Maria Madalena| 13
atraídas por Jesus, não porque foram curadas de espíri‑
tos malignos, mas sim, por sua mensagem consoladora
e de esperança.
Você vai saber sobre um sermão do papa Gregório
Magno, proferido em Roma, no final do século VI d.C.,
que identifica Maria Madalena com a mulher anônima
do Evangelho de Lucas (7:36-50), a pecadora pública, a
meretriz. Irei demonstrar que a exegese papal é falsa.
Com suporte num sermão do próprio papa, a criativida‑
de humana encarregou-se de deflagrar as mais destru‑
tivas imagens sobre ela. Então, se você perguntar hoje
na rua: Quem é Maria Madalena? É provável que, de
cada dez pessoas, nove dirão: Não é ela a prostituta do
Evangelho, da qual Jesus tirara sete demônios? Já fiz essa
pergunta onde proferi palestra. Por desinformação, a
resposta é a mesma da população. Assim, para recons‑
truir-lhe a imagem, o primeiro passo a fixar, é o que esta
mulher não foi. Nesses estudos, você irá se surpreender
com sua história!
Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizei-me
de vídeos, documentários pela internet, pesquisas em
várias obras que se referem a ela. Obviamente, que dian‑
te de inúmeras pesquisas, acrescentei interpretações
pessoais. Primeiro, assisti o Documentário do Discovery
Channel – à disposição do leitor no youtube –, mostrando
o ponto de vista e as provas arqueológicas dos maiores
teólogos, estudiosos, peritos e PhDs que existem na atua‑
lidade. Neste documentário, eles abordam tema de mui‑
tas controvérsias e poucas certezas, sobre Jesus e Maria
Madalena, indagando ser ela a mãe do cristianismo, e
14 | José Lázaro Boberg
mostrando a relação próxima, íntima e privilegiada com
Jesus. Seria verdade que ela foi companheira íntima de
Jesus? Que eles mantiveram relações sexuais? Que tive‑
ram filhos? Seria verdade que ela foi uma prostituta e
arrependeu-se depois de ter contato com a mensagem
de Jesus? Que quase foi apedrejada por suas atividades
sexuais ilícitas? Essas e muitas informações são aborda‑
das pelos PhDs, nesta pesquisa.
Dentre esses historiadores, todos PhDs, destacamos
Bart D. EHRMAN – um dos maiores especialistas em
estudos bíblicos e origens do cristianismo – Chefe do
Departamento de Estudos Religiosos da University of
North Carolina; Chapel Hill, autor de várias obras, en‑
tre elas, o livro Pedro, Paulo e Maria Madalena, obra que
me serviu de roteiro no desenvolvimento deste trabalho;
Elaine PAGEL, titular da cátedra de religião Harrington
Spear Paine, na Universidade de Princepton, uma das
mais respeitadas estudiosas do início do cristianismo.
É autora, entre outras obras, de Os Evangelhos gnósticos;
Juan ARIAS, da Universidade de Roma, também autor
de várias obras, entre elas, Maria Madalena – o último tabu
do cristianismo. Outros autores, de igual porte, com suas
titulações, são citados no rodapé, no decorrer da obra.
Para melhor didática, dividi o estudo sobre o Evangelho de Maria, em duas partes: O que dizem sobre ela os
outros Evangelhos? E o estudo de O Evangelho de Maria
– Miryam de Mágdala, propriamente dito.
Na primeira parte, o objetivo é trazer à reflexão o que
os Evangelhos canônicos, incluindo aí os gnósticos,
escrevem sobre ela. Para esse fim, dividi o estudo em
O Evangelho de Maria Madalena| 15
15 capítulos, conforme relacionados no sumário des‑
ta obra.
Na segunda parte, comentei o Evangelho de Maria Madalena, trazendo, inicialmente a história sobre a publica‑
ção dessa obra que, embora descoberta em 1896, só veio
a lume em 1955. Em seguida – veja também o sumário,
em sua 2.ª parte – analisei a estrutura do documento que,
para efeito didático, está dividido em subdivisões iguais.
Na primeira subdivisão, a “despedida de Jesus”, quan‑
do o tema central é a preocupação dos discípulos com
dois assuntos: “a natureza” deste mundo e “o pecado”.
Na segunda subdivisão, o assunto é sobre a “Revelação
a Maria Madalena”.
Na terceira subdivisão, é tratada da “Reação masculina
à revelação de Maria Madalena”.
Vamos, então, viajar juntos para desvendar a história
desta extraordinária mulher!
16 | José Lázaro Boberg
O Evangelho de Maria Madalena| 17
PREFÁCIO
A figura de Maria de Magdala, talvez o mais forte exem‑
plo de conversão narrado nos Evangelhos, sempre me fas‑
cinou, não obstante me sentisse um tanto incomodada com
algumas citações, referências e tradições em torno do seu
nome. Ademais, nunca fez muito sentido, para mim, o fato
de Jesus ter aparecido para Maria antes mesmo que para
sua mãe ou algum dos seus discípulos. Mas é assim que
narraram os evangelistas Matheus, Marcos, Lucas.
A publicação de O Evangelho de Maria, em 1955, escri‑
to originariamente em grego, lançou novas luzes sobre
a personagem. O texto, agnóstico, veio a lume a partir
de dois fragmentos encontrados em Nag Hammadi, no
Egito, em 1896, quando o pesquisador alemão Dr. Carl
Rheinhardt adquiriu, na cidade do Cairo, um conjunto
de textos hoje conhecidos como Codex Gnóstico de Ber‑
lim ou Codex Akhmim. Nesses textos, publicados quase
sessenta anos após sua descoberta, Maria Madalena é
tida como discípula de Jesus.
18 | José Lázaro Boberg
Corroborando a tese, vimos recentemente um docu‑
mentário do Discovery Channel no qual Madalena apa‑
rece entre os discípulos. Nele, são mostradas provas
arqueológicas dos maiores teólogos, estudiosos, peritos
e Ph.D’s da atualidade, como Bart D. Ehrman, um dos
maiores especialistas em estudos bíblicos e origens do
Cristianismo, e Harrington Spear Paine, titular da cáte‑
dra de Religião na Universidade de Princeton (New Jer‑
sey, Estados Unidos).
A mim, o perfil aí apresentado está mais coerente
do que o de simples pecadora sem conhecimentos das
coisas espirituais. É esse perfil, de discípula, capaz de
compreender os altos ensinos do Cristo, que o leitor verá
neste livro do paranaense José Lazaro Boberg. O autor,
no entanto, foi ainda mais fundo e fez constar também os
trabalhos de Elaine Pagel, autora de Os Evangelhos Gnósticos, e outros pesquisadores que compõem a rica biblio‑
grafia citada. O recurso das notas de rodapé, a meu ver,
foi muito bem empregado pelo autor, o que enriquece
a pesquisa e facilita a compreensão do leitor acerca dos
textos agnósticos encontrados em Nag Hammadi.
Madalena, segundo os estudiosos, era a discípula
que mais compreendia os ensinamentos profundos de
Jesus, como se vê na obra gnóstica Pistis Sofhia, escrita
provavelmente no século III, da qual Boberg transcre‑
ve esse trecho: “Tu és abençoada mais do que todas as
mulheres na Terra, porque serás a plenitude de todas as
plenitudes e a perfeição de todas as perfeições.”
Nos documentos gnósticos, considerados apócrifos,
O Evangelho de Maria Madalena| 19
o autor afirma não ter encontrado indício ou informação
de que Madalena tivesse sido uma cortesã, uma mere‑
triz. As referências feitas descrevem Maria como a dis‑
cípula que melhor compreendia o Mestre. As pesquisas
dos documentos referidos sugerem, ainda, que Jesus pu‑
desse ter-se casado e tido filhos com Madalena.
À luz do Espiritismo, temos informação de que Ma‑
dalena tinha vidências e percepções mediúnicas, fa‑
culdades que, segundo o saudoso Hermínio Miranda
no seu livro O Evangelho Gnóstico de Thomé, eram ain‑
da mais notáveis que as do próprio Pedro. Daí se com‑
preende por que Jesus se fez ver a Madalena quando da
primeira aparição, pedindo-lhe não o tocasse, visto não
encontrar-se tangível.
De outro lado, no livro Boa Nova, psicografado pelo
médium Chico Xavier, Humberto de Campos dedica
um capítulo inteiro a Maria de Magdala. Nele, o autor
espiritual narra que ela vivia entregue aos prazeres em
companhia de patrícios romanos; era uma mulher que
havia abandonado o lar para entregar-se a uma vida de
aventuras.
Boberg identificou diversas outras mensagens psi‑
cografadas por Chico Xavier, como as encontradas em
Palavras da Vida Eterna, Religião dos Espíritos e Caminho,
Verdade e Vida, de Emmanuel, que classificam Madalena
como “mulher tresmalhada na obsessão, dominada por
sete gênios sombrios”. Mas que, após conhecer Jesus,
passou a cultivar a pureza e tornou-se símbolo da vitó‑
ria da razão sobre a paixão. Na atualidade, a Igreja Cató‑
lica mostra Madalena como uma mulher forte e corajosa.
20 | José Lázaro Boberg
O autor, judiciosamente, traz as suas pesquisas e deixa
ao leitor o direito de analisar e concluir por si.
Boberg é também autor, entre outros, de O Evangelho
de Tomé e O Evangelho de Judas, uma análise da passa‑
gem de Jesus, seus ensinamentos sob a visão desses dois
Evangelhos considerados apócrifos e, por isso mesmo,
rejeitados pela Igreja. É também consagrado autor de
mais de uma dezena de obras publicadas sempre trazen‑
do informações, pesquisas e o caráter reflexivo. Escreve
numa linguagem clara, com a maestria de um grande
escritor e pesquisador.
São Paulo, julho de 2017.
Julia Nezu Oliveira
Presidente da União das Sociedades Espíritas do
Estado de São Paulo e Diretora fundadora do Centro
de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo –
Eduardo Carvalho Monteiro (CCDPE-ECM).
O Evangelho de Maria Madalena| 21
PRIMEIRA
PARTE
O que dizem sobre ela
os outros Evangelhos?
22 | José Lázaro Boberg
O Evangelho de Maria Madalena| 23
1
O INÍCIO DO CRISTIANISMO
Já reportei este assunto em dois de meus livros, O
Evangelho de Tomé e O Evangelho de Judas, mas, a título
de suporte didático ao objetivo desta obra, não posso,
deixar de trazer à reflexão, mesmo que en passant, o
que ocorreu no início do cristianismo. Muitos pensam
que, no início, o cristianismo se constituiu de um único
bloco ortodoxo e monolítico, onde reinava a plena fra‑
ternidade. E, por conta disso, defendem uma volta às
suas origens.
“Segundo a lenda cristã, a antiga igreja era dife‑
rente. Cristãos de todos os credos buscam encon‑
trar nos primórdios da Igreja uma forma de fé cristã
mais simples e pura. Na época dos apóstolos, todos
os membros da comunidade cristã compartilha‑
vam dinheiro e propriedade; todos acreditavam no
mesmo ensinamento, todos rezavam juntos; todos
reverenciavam a autoridade dos apóstolos. Apenas
24 | José Lázaro Boberg
depois desses anos dourados foi que o conflito, a
heresia, surgiu; é o que diz Lucas, autor de Atos dos
Apóstolos, que identifica a si mesmo como o primei‑
ro historiador do cristianismo”2
.
No entanto, a descoberta dos livros gnósticos em
Nag Hammadi modificou esse cenário: a verdade é ou‑
tra! Várias correntes do pensamento cristão se digladia‑
vam, cada uma tentando impor sua interpretação sobre
Jesus. Entre elas, cito os ebionistas, os marcionitas, os
gnósticos e ortodoxos.3
Como irei abordar O Evangelho
de Maria Madalena – também gnóstico – entendo que é de
bom alvitre que tomemos ciência de como essa corren‑
te cristã se revelou, de como causou impacto à corrente
ortodoxa, sendo seus membros perseguidos e milhares
deles assassinados.
Neste sentido, quem conhece a história do cristia‑
nismo sabe que, na realidade, não se constituiu ele
num verdadeiro mar de rosas, tudo calmo e harmonio‑
so. Essas correntes do pensamento sobre Jesus circula‑
vam com um antagonismo fratricida. Quando se fala
em voltar às bases cristãs, como paradigma de paz e
harmonia, é engano total. É um retrocesso! 4
Elaine Pa‑
gel chega a admitir nos bastidores uma luta pelo poder,
já que a corrente cristã dos gnósticos desafiava a auto‑
ridade dos bispos e contestavam aspectos doutrinários
sobre os quais a Igreja estava assentada.
2. PAGEL, Elaine. Os Evangelhos gnósticos – introdução, p. xxiv,
3. Ler mais sobre estas correntes no livro, O Evangelho de Tomé – o elo perdido.
4. BOBERG, José Lázaro. Milagre – fato natural ou sobrenatural? p. 22.
O Evangelho de Maria Madalena| 25
“Ao lastimar a diversidade dos primeiros movi‑
mentos, o bispo Irineu e seus seguidores insistiram
em que só poderia haver uma única igreja e fora dela,
declarou, não há salvação. Apenas membros dessa
igreja são cristãos ortodoxos (literalmente, ‘pensa‑
mento correto’). E afirmou, ainda: essa igreja deve ser
católica – ou seja, universal. Quem quer que desafiasse
essa doutrina era considerado herege e expulso”. 5
Os cristãos ortodoxos insistiram em que a Humanida‑
de precisava encontrar uma maneira além de seu próprio
poder – uma via divina – para aproximar-se de Deus. E
isso, diziam, a Igreja católica oferecia àqueles que esta‑
riam perdidos, sem a presença de Deus: “Fora da Igreja
católica não há salvação”. Os gnósticos, ao contrário, não
aceitavam isso, colocando tudo a partir do potencial que
cada um traz em si, quando, então se descobre a verdade.
A salvação não está fora, mas dentro de si mesmo.
É nessa linha de pensamento que:
“os gnósticos proclamavam, desde os seus princí‑
pios, uma teologia baseada na busca de Deus dentro
da consciência pessoal e não tanto como elemento
exterior ao homem; defendiam a religião com me‑
nos leis e mandamentos, uma religião talvez menos
política e mais interiorizada espiritualmente, mais
centrada na busca da sabedoria que na luta contra
o pecado”. 6
5. Idem, PAIGEL, pp. xxi-xxvi.
6. ARIAS, Juan. Madalena o último tabu do cristianismo, p. 60.
26 | José Lázaro Boberg
O espiritismo que, na essência, segue a linha gnóstica
e não acata o pensamento exclusivista de que “Fora da
Igreja não existe salvação”, substituindo-o por “Fora da
caridade não há salvação”, pondera:
Enquanto a máxima: Fora da caridade não há sal‑
vação, apoia-se num princípio universal, abrindo a
todos os filhos de Deus o acesso à felicidade supre‑
ma, o dogma: Fora da Igreja não há salvação apoia‑
-se, não na fé fundamental em Deus e na imortali‑
dade da alma, fé comum a todas as religiões, mas
na fé especial em dogmas particulares. É, portanto,
exclusivista e absoluto. Em vez de unir os filhos de
Deus, divide-os. Em vez de incitá-los ao amor fra‑
terno, mantém e acaba por legitimar a animosidade
entre os sectários dos diversos cultos, que se con‑
sideram reciprocamente malditos na eternidade,
sejam embora parentes ou amigos neste mundo; e
desconhecendo a grande lei de igualdade perante o
túmulo, separa-os também no campo-santo. A má‑
xima: Fora da caridade não há salvação é a conse‑
quência do princípio de igualdade perante Deus e
da liberdade de consciência.7
Esse é o panorama desafiador às correntes cristãs
contrárias ao pensamento cristão ortodoxo, o que gerou
uma luta fratricida, principalmente quando os ortodo‑
xos, comandados pela Igreja Católica, obtiveram su‑
7. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XV, item 8.
O Evangelho de Maria Madalena| 27
porte militar, pois, depois de o Imperador Constantino
tornar-se cristão no século IV, a perseguição aumentou
na caça aos “hereges”. Daí para frente, o comando esta‑
va livre à Igreja que liderou, a “ferro e fogo”, sua hege‑
monia durante muito tempo. Os dissidentes cristãos da
linha ortodoxa foram proibidos de divulgar suas dou‑
trinas. Assim, os gnósticos foram obrigados a queimar
seus manuscritos, Informa a historiadora Elaine Pagel:
“A posse dos livros denunciados como heréticos
tornou-se ofensa criminal, e cópias desses manus‑
critos foram queimadas e destruídas. Mas no Alto
Egito alguém, talvez um monge do mosteiro de São
Pacônio, apanhou os livros proibidos e escondeu‑
-os – protegendo-os da destruição – no vaso em que
permaneceram enterrados por quase 1.600 anos”.8
8. Idem, PAIGEL.
28 | José Lázaro Boberg
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