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Os Obsessores, Gente Como a Gente

Qualquer abordagem à complexa problemática da obsessão deve começar, a meu
ver, com uma atitude preliminar de humildade e amor fraterno. Ainda que isto
possa parecer mera pregação com um toque de falsa modéstia, não é nada disto. A
humildade constitui ingrediente indispensável a qualquer tarefa de natureza
mediúnica, dado que é ainda bastante limitado o conhecimento dessa preciosa
faculdade humana. Temos de nos apresentar diante da tarefa com a honesta
intenção de aprender com o seu exercício, ainda que, paradoxalmente, munidos de
todo o conhecimento teórico que for possível adquirir previamente. Quando a
gente pensa que já sabe tudo sobre mediunidade, eis que ela se revela sob
aspectos que ainda não tínhamos percebido ou apresenta facetas desconhecidas e
aparentemente inexplicáveis. É como se cada sessão tivesse uma espécie de
individualidade diferente de todas as demais, ainda que semelhante em suas
características básicas. tal como as pessoas, ou seja, tão iguais umas com às
outras e, ao mesmo tempo, tão diferentes.

E por falar em pessoas, vamos colocar a segunda preliminar, a de que o trato
com a obsessão deve ser iluminado pelo amor fraterno. Por uma razão tão simples
e óbvia que parece infantil, mas que se põe como de vital importância para o bom
êxito do trabalho pretendido, ou seja, a de que os espíritos são gente como a
gente. E gente que sofre e que, portanto, precisa de compreensão e paciência.
São pessoas em conflito consigo mesmas e, portanto, com outros, com o mundo, com
a vida , com Deus e com o próprio amor. Creio que é em Emmanuel que a gente lê
que o ódio é o amor que enlouqueceu.. É verdade e tanto é verdade que mesmo este
amor enlouquecido ainda é amor; como temos tido oportunidade de observar tantas
vezes.

Lembro-me de um caso desses em que foi por esse caminho que encontrei o
acesso que buscava ao coração do manifestante enfurecido daquela noite. Sua
desesperada indignação dirigia-se a uma mulher que, aparentemente, manipulara
impiedosamente suas emoções no passado. Chegara para ele a hora da vingança e
ele a exercia com toda a força de seu ódio, tentando convencer-se de que o fazia
com o maior dos prazeres. Agora, sim, tinha-a em seu poder! Sustentava-se no
rancor secular e era isso mesmo que ele dizia. Sem aquele ódio, não seria nada
nem ninguém, pois aquilo acabara constituindo a razão de ser de sua existência.
Em situações como essa, o ódio e o ilusório prazer da vingança funcionam como
biombos atrás dos quais a gente esconde, pelo menos por algum tempo, as próprias
frustrações e procura abafar a voz incorruptível da consciência. Enquanto
procuramos cobrar faltas cometidas contra nós, esquecemos dos nossos crimes e
afrontas à lei divina.

Esse era o cenário e esse era o drama que tínhamos diante de nós. Que estava
ele na posição de um obsessor, estava. Não se importa se assim o
considerássemos. A vingança, no seu entender, era direito que ninguém poderia
contestar-lhe. “Ela não errou? A lei não diz que somos todos responsáveis pelos
atos que praticados? E não diz mais que quem fere com a espada, com a espada
será ferido? Esta aí no seu evangelho!”, dizem os vitoriosos. “Ela é uma peste.
Você nem imagina como aquela mulher é ruim! E agora que estou aqui, cobrando
minha parte, vem vocês com peninha dela! E sabe de uma coisa? Não se meta nisso
não. O caso é comigo. Deixa que eu resolvo!”

Esse é o tom. Como fazê-lo mudar, não apenas o discurso, mas o procedimento,
a maneira de avaliar a situação e de redirecionar suas emoções em tumulto? E
perguntam, às vezes: “Você não acha que eu tenho razão?” Até que sim, se
examinarmos o problema na estreiteza do seu contexto pessoal. É compreensível o
rancor, gerado por uma dolorosa decepção com a pessoa em quem confiou e à qual
entregou seu próprio coração e até sua vida. Mas esse espaço mental é exíguo
demais para se colocarem todos os dados do problema. A vida não é uma só, a lei
não é punitiva, mas educativa, e, acima de tudo, não há sofrimento inocente, a
não ser nos grandes lances do devotamento ao próximo, nas tarefas missionárias.
Por outro lado, se a lei permite ou tolera a vingança, embora não a aprove
jamais, é porque aquele que erra se expõe à correção. Os obsessores mais
experientes, sabem que somente conseguem cobrar aquilo que têm como crédito
pessoal, precisamente porque, segundo ensinou o Cristo, o “pecador se torna
escravo do pecado” e não sai de lá enquanto não pagar até o último centavo, ou
seja, enquanto restar um reclamo na sua própria consciência. Não é preciso que
ninguém cobre, mesmo porque a dívida é com a lei, representada em cada um de nós
no silêncio da intimidade, mas o vingador não quer saber de tais sutilezas.

Todo aquele que se expõe ao duro retorno do reajuste pode estar certo de
haver-se atritado com alei anteriormente. A conclusão lógica e inescapável é a
de que, quando o nosso querido passou pelo dissabor de uma traição ou do
abandono, estava na fase de retorno, na sofrida simetria de seus equívocos
anteriores. Isto, porém, nunca estamos prontos para admitir quando nos
encontramos na dolorosa postura do obsessor. Achamos, então, que esta é a nossa
vez. Que perdão, nada! Sempre que perdoei me dei mal, costumam dizer. Vence, no
mundo, aquele que grita, impõe e domina, não o que abaixa cabeça e marca a si
mesmo com o carimbo da covardia.

Em suma: o nosso querido obsessor não era diferente de nenhum de nós, ainda
prisioneiros de paixões milenares que repercutem e ecoam de século em século e
vão aos milênios. É um ser humano, uma pessoa, gente como a gente. O que ele
deseja, embora nunca o admita espontaneamente, é que tenhamos paciência para
ouvi-lo, compreendê-lo, cuidar da sua dor, ainda que, conscientemente, também
não a reconheça. Por isso após todo o seu catártico destampatório, ele se
mostrava convicto de estar coberto de razão e, por isso, vitorioso no seu
valente debate com o grupo. Só nesse ponto, contudo, tinha alguma condição para
nos ouvir. Até então fora dono absoluto da palavra, dos argumentos, da
indignação, da situação, enfim. Ele perseguia a moça porque queria e porque
podia fazê-lo e estamos conversados.

Estava, portanto, dando a conversa por encerrada e pronto para retomar logo
sua tarefa de ficar à espreita da sua vítima, como o gato que vigia o rato, no
preciso e curioso dizer de Kardec.

É nesses momentos, contudo, que a inspiração parece funcionar melhor e, por
isso, nosso doutrinador comentou, como quem apenas dá conta de um fato óbvio por
si mesmo: “Isto tudo quer dizer, então, que você ainda a ama, não é? Recuperado
do momentâneo aturdimento, ele teve a honestidade e a bravura de reconhecer que
sim, ainda a amava, a despeito de tudo. Tínhamos chegado, afinal, ao seu
coração, ao âmago da sua angústia, ao núcleo de suas dores e até de suas
esperanças. E mais uma vez tínhamos diante de nós não um implacável obsessor
convencido do seu legítimo direito de cobrar uma falta cometida contra si mesmo,
mas um ser humano igualzinho a nós, sofrido, solitário, perdido na sua dor, mas
principalmente, no seu ódio que, afinal de contas, não passava de um grande e
inesquecível amor enlouquecido. Pois não é isso mesmo que aconteceu com a gente?
Ou já aconteceu? Não é um irmão(ou irmã) que ali está ansioso, na secreta
esperança de que consigamos, afinal, convencê-lo de que ele ainda a ama? Por
isso sempre digo a eles , e a mim também, que amar é um estranho verbo, porque
não tem passado. Você não diz que amou alguém. Se amou mesmo, de verdade, então
continua amando. Mário de Andrade dizia que amar é verbo intransitivo e tinha
razão, mas é também defectivo, porque não se conjuga em tempo passado. O amor é
para sempre. Por isso, também dizia Edgar Cayce que o amor não é possessivo, ele
apenas é. Claro, ele é da essência de Deus e, portanto, do ser, isto é, de todos
nós. E ser é verbo e é substantivo.

Foi por essas e outras que acabei descobrindo que o amor é também da essência
da tarefa dita desobsessão e que prefiro conceituar como diálogo com
atormentados companheiros de jornada evolutiva que, eventualmente, estejam
vivendo dolorosos papéis de obsessor. Quem não se sentir em condições pessoais
de ver no chamado obsessor uma pessoa humana como a gente mesmo, então deve
dedicar-se a outra tarefa no grupo. A seara é imensa, não falta trabalho para
ninguém. Já alertava o Cristo, ao seu tempo, que era necessário orar para que o
Pai mandasse mais obreiros, sempre escassos e insuficientes. Com a sua
deslumbrante lucidez, Paulo explicou para a posteridade as inúmeras tarefas à
nossa disposição em qualquer grupamento humano que se propõe a servir ao
próximo. É só ler, para recordar, os capítulos 12, 13, 14 da sua Primeira
Epístola aos Coríntios, e que constituem o primeiro “Livro dos Médiuns” do
cristianismo. Aqueles que desejarem devotar-se ao trabalho gratificante da
desobsessão que leiam de maneira especial, demorada e meditada, o capítulo 13,
no qual o tema tratado é o da caridade, ou seja, o amor atuante.

Por tudo isso e mais o que não ficou dito, entendo que , na tarefa chamada de
desobsessão, o ingrediente básico é o amor, que sempre saberá como encontrar o
que dizer ao ser humano que temos diante de nós na mesa mediúnica. Doutrinação é
palavra inadequada para caracterizar esse trabalho. Que teria eu a ensinar ao
companheiro ou à companheira que comparece ao grupo mediúnico? Não há como
ensinar pontos doutrinários teóricos a quem está vivendo a realidade, que
conhecemos mais pelo estudo do que pela vivência. Eis porque costumo dizer que
muito pouco ou quase nada tenho ensinado às pessoas desencarnadas que comparecem
aos nossos trabalhos mediúnicos. Em compensação, devo a todos eles ensinamentos
preciosos, recortados diretamente das páginas pulsantes da vida. E por isso,
nunca saberia expressar toda a minha gratidão pela oportunidade que me foi
concedida de trabalhar junto dos queridos “obsessores”.

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