BEM VINDO

BEM VINDO
BIBLIA

visitas online


O EVANGELHO DE TOMÉ APÓCRIFOS

 O termo "apócrifo" vem do grego e designa "o que é mantido escondido". De fato muitos livros, cujos temas são paralelos àqueles presentes nos livros bíblicos, não vieram à tona senão no século passado. Muitos foram ignorados por questões ideológicos e tantos outros por que ninguém sabia de sua existência. Todos esses livros foram julgados pela tradição como não inspirados por Deus e por isso não foram incluídos na lista dos livros bíblicos. Desde o século passado a importância deles foi reconsiderada, não devido aos aspectos doutrinários ou por que deveriam fazer parte da Bíblia, mas como meio que nos dão informações importantes para o estudo da doutrina e da história da nossa religião. O Evangelho de Tomé é um dos muitos livros apócrifos. O EVANGELHO DE TOMÉ Estas são as palavras secretas de Jesus, o vivo, que foram escritas por Didymos Tau'ma (Tomé (Tomás), o gêmeo) 1. Quem descobrir o sentidos dessas palavras, não provará a morte. 2. Quem procura, não cesse de procurar até achar; e, quando achar, será estupefato; e, quando estupefato, ficará maravilhado - e então terá domínio sobre o Universo. 3. Jesus disse: Se vossos guias vos disserem: ‘o reino está no céu', então as aves vos precederam; se vos disserem que está no mar, então os peixes vos precederam. Mas o reino está dentro de vós, e também fora de vós. Se vos conhecerdes, sereis conhecidos e sabereis que sois filhos do Pai Vivo. Mas, se não vos conhecerdes, vivereis em pobreza, e vós mesmos sereis essa pobreza. 4. O homem idoso perguntará, nos seus dias, a uma criança de sete dias pelo lugar da vida - e ele viverá. Porque muitos primeiros serão últimos, e serão unificados. 5. Conhece o que está ante os teus olhos – e o que te é oculto te será revelado; porque nada é oculto que não seja manifestado. 6. Perguntaram os discípulos a Jesus: Queres que jejuemos? Como devemos orar? Como dar esmolas? Que alimentos devemos comer? Respondeu Jesus: Não mintais a vós mesmos, e não façais o que é odioso! Porquanto todas essas coisas são manifestas diante do céu. Não há nada oculto que não seja manifestado, e não há nada velado que, por fim, não seja revelado. 7. Bendito o leão comido pelo homem, porque o leão se torna homem! Maldito o homem comido pelo leão, porque esse homem se torna leão! 8. Ele disse: O homem se parece com um pescador ajuizado, que lançou sua rede ao mar. Puxou para fora a rede cheia de peixes pequenos. Mas entre os pequenos o pescador sensato encontrou um peixe bom e grande. Sem hesitação, escolheu o peixe grande e devolveu ao mar todos os pequenos. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! 9. Disse Jesus: Saiu o semeador. Encheu a mão e lançou a semente. Alguns grãos caíram no caminho; vieram as aves e os cataram. Outros caíram sobre os rochedos; não deitaram raízes para dentro da terra nem mandaram brotos para o céu. Outros ainda caíram entre espinhos, que sufocaram a semente e o verme a comeu. Outra parte caiu em terra boa, e produziu fruto bom rumo ao céu; produziu sessenta por uma, e cento e vinte por uma. 10. Disse Jesus: Eu lancei fogo sobre a terra – e eis que o vigio até que arda. 11. Disse Jesus: Este céu passará, e passará também aquele que está por cima deste. Os mortos não vivem, e os vivos não morrerão. Quando comíeis o que era morto, vós o tornáveis vivo. Quando estiverdes na luz, que fareis? Quando éreis um, vos tornastes dois; mas, quando fordes dois, que fareis? 12. Os discípulos perguntaram a Jesus: Sabemos que nos vais deixar. E quem será então nosso chefe? Respondeu Jesus: No ponto onde estais, ireis ter com Tiago, que está a par das coisas do céu e da terra. 13. Disse Jesus a seus discípulos: Comparai-me e dizei-me com quem me pareço eu. Respondeu Simão Pedro: Tu és semelhante a um anjo justo. Disse Mateus: Tu és semelhante a um homem sábio e compreensivo. Respondeu Tomé: Mestre, minha boca é incapaz de dizer a quem tu és semelhante. Replicou-lhe Jesus: Eu não sou teu Mestre, porque tu bebeste da Fonte borbulhante que te ofereci e nela te inebriaste. Então levou Jesus Tomé à parte e afastou-se com ele; e falou com ele três palavras. E, quando Tomé voltou a ter com seus companheiros, estes lhe perguntaram: Que foi que Jesus te disse? Tomé lhes respondeu: Se eu vos dissesse uma só das palavras que ele me disse, vós havíeis de apedrejar-me - e das pedras romperia fogo para vos incendiar. 14. Jesus disse-lhes: Se jejuardes, cometereis pecado. Se orardes, sereis condenados. Se derdes esmolas, prejudicareis ao espírito. Quando fordes a um lugar onde vos receberem, comei o que vos puserem na mesa e curai os doentes que lá houver. Pois o que entra pela boca não o torna um homem impuro, mas sim o que sai da boca, isto vos tornará impuros. 15. Se virdes alguém que não seja filho de mulher, prostrai-vos de rosto em terra e adorai-o – ele é vosso Pai. 16. Talvez os homens pensem que eu vim para trazer paz à terra, e não sabem que eu vim para trazer discórdias à terra, fogo, espada e guerra. Haverá cinco numa casa, três contra dois, dois contra três; pai contra filho, e filho contra pai. E serão solitários. 17. Eu vos darei o que nenhum olho viu, nenhum ouvido ouviu, nenhuma mão tangeu, e que jamais surgiu no coração do homem. 18. Perguntaram os discípulos a Jesus: Como será o nosso fim? Respondeu-lhes Jesus: Descobristes o princípio, para que estejais procurando o fim? Pois onde estiver o princípio ali estará o fim. Feliz de quem está no princípio; também conhecerá o fim - e não provará a morte. 19. Disse Jesus: Feliz daquele que era antes de existir. Se vós fordes meus discípulos e realizardes as minhas palavras, estas pedras vos servirão. Há no vosso paraíso cinco árvores, que permanecem inalteradas no inverno e no verão, e cujas folhas não caem; quem as conhecer, esse não provará a morte. 20. Disseram os discípulos a Jesus: Dize-nos, a que se assemelha o Reino do céus? Respondeu-lhes ele: Ele é semelhante a um grão de mostarda, que é menor que todas as sementes; mas, quando cai em terra, que o homem trabalha, produz um broto e se transforma num abrigo para as aves do céu. 21. Disse Maria a Jesus: Com quem se parecem os teus discípulos? Respondeu Jesus: Parecem-se com garotos que vivem num campo que não lhes pertence. Quando aparecem os donos do campo, dirão estes: Deixai-nos o nosso campo. E eles desnudam-se diante deles e lhes deixam o campo. Por isto vos digo eu: Se o dono da casa sabe quando vem o ladrão, vigia antes da sua chegada e não o deixará penetrar na casa do seu reino para lhe roubar os haveres. Vós, porém, vigiai em face do mundo; cingi os vossos quadris com força para que os ladrões não encontrem caminho até vós. E possuireis o tesouro que desejais. Sede como um homem de experiência, que conhece o tempo da colheita, e, de foice na mão, ceifará o trigo. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. 22. Jesus viu crianças de peito a mamarem. E ele disse a seus discípulos: Essas crianças de peito se parecem com aqueles que entram no Reino. Perguntaram-lhe eles: Se formos pequenos, entraremos no Reino? Respondeu-lhes Jesus: Se reduzirdes dois a um, se fizerdes o interior como o exterior, e o exterior como o interior, se fizerdes o de cima como o de baixo, se fizerdes um o masculino e o feminino, de maneira que o masculino não seja mais masculino e o feminino não seja mais feminino - então entrareis no Reino. 23. Disse Jesus: Eu vos escolherei, um entre mil, e dois entre dez mil. E eles aparecerão como um só. 24. Seus discípulos pediram: Mostra-nos o lugar onde tu estás, pois precisamos procurá-lo. Respondeu-lhes ele: Quem tem ouvidos, ouça! Há luz dentro dum ser luminoso, e ele ilumina o mundo inteiro. Se não o iluminar, ele é escuridão. 25. Disse Jesus: Ama a teu irmão como a tua própria alma e cuida dele como da pupila dos teus olhos. 26. Jesus disse: Tu vês o cisco no olho do teu irmão, e não vês a trave no teu próprio olho. Se tirares a trave do teu próprio olho, verás claramente como tirar o cisco do olho do teu irmão. 27. Se não jejuardes em face do mundo, não achareis o Reino; se não guardardes o sábado como sábado, não vereis o Pai. 28. Jesus disse: Eu estava no meio do mundo e me revelei a ele corporalmente. Encontrei todos embriagados, e não encontrei nenhum deles sedento. E minha alma sofria dores pelos filhos dos homens, porque eles são cegos no seu coração e nada enxergam. Assim como entraram no mundo vazios, querem sair do mundo vazios. Agora estão bêbados, e só se converterão se abandonarem o seu vinho. 29. Jesus disse: Se a carne foi feita por causa do espírito, é isto maravilhoso. Mas, se o espírito foi feito por causa do corpo, é isto a maravilha das maravilhas. Eu, porém, estou maravilhado diante do seguinte: Como é que tamanha riqueza foi habitar em tanta pobreza? 30. Jesus disse: Onde há três deuses, eles são deuses. Onde há dois ou um, eu estou com ele. 31. Nenhum profeta é aceito em sua cidade, nem pode um médico curar os que o conhecem. 32. Jesus disse: Uma cidade situada num monte e fortificada, não pode cair, nem pode permanecer oculta. 33. O que ouvirdes com um ouvido, anunciai-o com o outro do alto dos telhados; porque ninguém acende uma lâmpada e a põe debaixo do velador, nem em lugar oculto, mas sim no candelabro, para que todos os que entram e saem vejam a luz. 34. Jesus disse: Quando um cego guia outro cego, ambos cairão na cova. 35. Jesus disse: Ninguém pode penetrar na casa do forte e prendê-lo, se antes não lhe ligar as mãos; só depois pode saquear-lhe a casa. (Nos outros evangelhos, esse texto é relacionado com o episódio em que Jesus expulsara um demônio, e seus inimigos o acusaram de ser aliado de satanás. Então Jesus faz um paralelo entre “o forte”, que é satanás, e “o mais forte”, que é o Cristo) 36. Jesus disse: Não andeis preocupados, da manhã até a noite, e da noite até a manhã, sobre o que haveis de vestir. 37. Perguntaram os discípulos a Jesus: Em que dia nos aparecerás? Em que dia te veremos? Respondeu Jesus: Se vos despojardes do vosso pudor; se, como crianças, tirardes os vossos vestidos e os colocardes sob os vossos pés, percebereis o filho do Vivo – e não conhecereis temor. 38. Jesus disse: Muitas vezes desejastes ouvir estas palavras que vos digo, e não achastes ninguém que vo-las pudesse dizer. Virão dias em que me procurareis e não me achareis. 39. Disse Jesus: Os fariseus e os escribas tiraram a chave do conhecimento e a ocultaram. Nem eles entraram nem permitiram entrar os que queriam entrar. Vós, porém, sede inteligente como as serpentes e simples como as pombas. 40. Jesus disse: Uma videira foi plantada fora daquilo que é do Pai; e, como não tem vitalidade, será extirpada pela raiz e perecerá. 41. Jesus disse: Aquele que tem algo na mão, esse receberá; e aquele que não tem, esse até perderá o pouco que tem. 42. Disse Jesus a seus discípulos: Sede transeuntes! 43. Disseram-lhe seus discípulos: Quem és tu que nos dizes tais coisas? Respondeu-lhes ele: Pelas coisas que vos digo não conheceis quem eu sou? Vós sois como os judeus, que amam a árvore e detestam o seu fruto; ou amam o fruto e detestam a árvore. 44. Disse Jesus: Quem blasfemar contra o Pai receberá a graça; quem blasfemar contra o Filho receberá a graça; mas quem blasfemar contra o Espírito Santo esse não receberá a graça, nem na terra nem no céu. 45. Disse Jesus: Não se colhem uvas de espinheiros, nem figos de abrolhos, que não produzem frutos. O homem bom tira coisas boas do seu tesouro; o homem mau tira coisas más do tesouro mau do seu coração, fala coisas más da abundância do seu coração. 46. Disse Jesus: Desde Adão até João Batista, não há ninguém maior entre os nascidos de mulher do que João Batista, porque seus olhos não foram violados. Mas eu disse: Aquele que entre vós se tornar pequeno conhecerá o Reino e será maior do que João. 47. Disse Jesus: O homem não pode montar em dois cavalos, nem pode retesar dois arcos. O servo não pode servir a dois senhores, pois ele honra um e ofende o outro. Nenhum homem que bebeu vinho velho deseja beber vinho novo. Não se coloca vinho novo em odres velhos, com medo que se rompam; vinho novo se coloca em odres novos, para que não se perca. Não se cose um remendo velho em roupa nova, para não causar rasgão. 48. Disse Jesus: Se dois viverem em paz e harmonia na mesma casa, dirão a um monte "sai daqui! " – e ele sairá. 49. Disse Jesus: Felizes sois vós, os solitários e os eleitos, porque achareis o Reino. Sendo que vós saístes dele, a ele voltareis. 50. Disse Jesus: Se os homens vos perguntarem donde viestes, respondei-lhes: Nós viemos da luz, lá onde ela nasce de si mesma, surge e se manifesta em sua imagem. E se vos perguntarem: Quem sois vós? Respondei-lhes: Nós somos os filhos eleitos do Pai vivo. Se os homens vos perguntarem: Qual o sinal do Pai em vós? Respondei: É movimento e repouso ao mesmo tempo. 51. Seus discípulos perguntaram: Quando virá o repouso dos mortos e em que dia virá o mundo novo? Respondeu-lhes ele: Aquilo que vós aguardais já veio – mas vós não o conheceis. 52. Disseram-lhe os discípulos: Vinte e quatro profetas falaram em Israel, e todos falaram de ti. Respondeu-lhes ele: Rejeitastes aquele que está vivo diante de vós, e falais dos mortos. 53. Perguntaram-lhe os discípulos: A circuncisão é útil ou não? Respondeu-lhes ele: Se ela fosse útil, o homem já nasceria circuncidado. A verdadeira circuncisão é espiritual, e esta é útil a todos. 54. Disse Jesus: Felizes os pobres, porque vosso é o Reino dos céus. 55. Disse Jesus: Quem não odiar seu pai e sua mãe não pode ser meu discípulo. Quem não odiar seus irmãos e suas irmãs não é digno de mim. 56. Disse Jesus: Quem conhece o mundo, achou um cadáver; e quem achou um cadáver, dele não é digno o mundo. 57. Jesus disse: O Reino do Pai é semelhante a um homem que semeou boa semente em seu campo. De noite, porém, veio seu inimigo e semeou erva má no meio da semente boa. O senhor do campo não permitiu que se arrancasse a erva má, para evitar que, arrancando esta, também fosse arrancada a erva boa. No dia da colheita se manifestará a erva má. Então será ela arrancada e queimada. 58. Feliz do homem que foi submetido à prova – porque ele achou a vida. 59. Disse Jesus: Olhai para o Vivo, enquanto viveis, pra que não morrais e desejeis ver aquele que já não podeis ver. 60. Ao entrarem na Judéia, eles viram um samaritano que carregava uma ovelha. Jesus disse a seus discípulos: Por que a carrega? Responderam eles: Para matá-la e comê-la. Disse-lhes Jesus: Enquanto a ovelha está viva, ele não a poderá comer; só depois de morta e cadáver. Replicaram eles: De outro modo não a pode comer. Respondeu-lhes Jesus: Procurai para vós um lugar de repouso, para que não vos torneis cadáveres e sejais devorados. 61. Jesus disse: Haverá dois na mesma cama: um morrerá, o outro viverá. Salomé disse: Quem és tu, ó homem? Como que saído de um só? Tu que usavas a minha cama e comias à minha mesa? Responde Jesus: Eu vim daquele que é todo um em si; isto me foi dado por meu Pai. Disse Salomé: Eu sou discípula tua. Vem a propósito o dito: Quando o discípulo é vácuo, será repleto de luz; mas quando é dividido, ele será repleto de treva. 62. Eu revelo meus mistérios àqueles que são idôneos para ouvi-los. O que tua mão direta faz não o saiba a tua mão esquerda. 63. Disse Jesus: Um homem rico tinha muitos bens. E disse: Vou aproveitar os meus bens; vou semear, colher, plantar e encher meus armazéns, para que não me venha a faltar nada. Foi isto que ele pensou em seu coração. E nesta noite ele morreu. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. 64. Disse Jesus: Um homem fez um banquete e, depois de tudo preparado, enviou seu servo para chamar os convidados. O servo foi ao primeiro e disse-lhe: Meu senhor te convida para o banquete. O homem respondeu: Uns negociantes me devem dinheiro; eles vêm à minha casa esta noite, e eu tenho de falar com eles; peço-te que me dispenses de comparecer ao jantar. O servo foi até outro e disse: Meu senhor te convidou. Este respondeu: Comprei uma casa, e marcaram um dia para mim; não tenho tempo para vir. O servo foi a outro e disse-lhe: Meu senhor te convida. Este respondeu: Um amigo meu vai casar-se, e eu fui convidado para preparar a refeição; não posso atender; favor dispensar-me. O servo foi a outro ainda e disse-lhe: Meu senhor te convida. Este respondeu: Acabo de comprar uma fazenda e estou saindo para buscar o rendimento. Não poderei ir, por isso me desculpo. O servo retornou e comunicou ao seu senhor: Os convidados ao banquete pedem que os dispenses de comparecerem. Disse o senhor a seu servo: Vai pelos caminhos e traze os que encontrares, para que venham ao meu banquete; mas os compradores e negociantes não entrarão nos lugares de meu Pai. 65. Disse ele: Um homem tinha uma vinha. Arrendou-a a uns colonos para a cultivarem, a fim de receber deles o fruto. Enviou seu servo para receber o fruto da vinha. Os colonos prenderam o servo e o espancaram, deixando-o à beira da morte. O servo voltou e contou a seu senhor o ocorrido. O senhor disse: Talvez não o tenham reconhecido. E enviou-lhes outro servo. Mas os colonos espancaram também este. Então o senhor mandou seu filho, dizendo: Talvez tenham respeito a meu filho. Mas, como os camponeses soubessem que esse era o herdeiro da vinha, prenderam-no e o mataram. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! 66. Disse Jesus: Mostrai-me a pedra que os construtores rejeitaram. Ela é a pedra angular. 67. Disse Jesus: Quem conhece o universo, mas não se possui a si mesmo, esse não possui nada. 68. Disse Jesus: Felizes sois vós, se vos rejeitarem e odiarem. E lá onde vos tiraram e odiaram não será encontrado lugar algum. 69. Disse Jesus: Felizes no seu coração são os perseguidos, os que na verdade conhecem o Pai. Felizes são os famintos, porque o corpo dos que sabem querer será saciado. 70. Jesus disse: Se fizerdes nascer em vós aquele que possuis, ele vos salvará; mas, se não possuirdes em vós a este, então sereis mortos por aquele que não possuis. (falando do corpo e da alma) 71. Disse Jesus: Destruirei esta casa, e ninguém a poderá reconstruir. 72 . Alguém diz a Jesus: Dize a meus irmãos que repartam comigo os bens de meu pai. Respondeu Jesus: Homem, quem me constituiu partidor? E dirigindo-se a seus discípulos, disse-lhes: Será que eu sou um partidor? 73. Disse Jesus: Grande é a safra, e poucos são os operários. Pedi, pois ao Senhor para que mande operários à sua seara. 74. Disse ele: Senhor, muitos rodeiam a fonte, mas ninguém entra na fonte. 75. Disse Jesus: Muitos estão diante da porta – mas somente os solitários é que entram na câmara nupcial. 76. Disse Jesus: O Reino é semelhante a um negociante que possuía um armazém. Achou uma pérola, e, sábio como era, vendeu todo o armazém e comprou essa pérola única. Procurai também vós o tesouro imperecível, que se encontra lá onde as traças não se aproximam para comê-lo nem os vermes o destroem. 77. Disse Jesus: Eu sou a luz, que está acima de todos. Eu sou o “Todo”. O Todo saiu de mim, e o Todo voltou a mim. Rachai a madeira – lá estou eu. Erguei a pedra – lá me achareis. 78. Disse Jesus: Por que saístes ao campo? Para verdes um caniço agitado pelo vento? Ou um homem vestido de roupas macias? Os reis e os grandes vestem roupas macias – e eles não poderão conhecer a verdade. 79. Uma mulher da multidão disse-lhe: Feliz o ventre que te gestou e os seios que te amamentaram. Respondeu ele: Felizes os que ouviram o Verbo do Pai e viveram a Verdade. Porque dias virão em que direis: Feliz o ventre que não concebeu, e felizes os seios que não amamentaram. 80. Disse Jesus: Quem conheceu o mundo encontrou o corpo. Mas quem encontrou o corpo, desse tal não é digno o mundo. (o mundo material é um corpo morto, não digno do homem espiritual) 81. Quem ficou rico, saiba dominar-se; quem ficou poderoso, saiba renunciar. 82. Quem está perto de mim está perto da chama; quem está longe de mim está longe do Reino. 83. Disse Jesus: As imagens se manifestam ao homem, e a luz que está oculta nelas – na imagem da luz do Pai – se revelará, mas sua imagem permanecerá velada por sua luz. 84. Disse Jesus: Quando virdes a vossa semelhança, alegrai-vos. Mas, quando virdes o vosso modelo, que desde o princípio estava em vós e nunca morrerá, nem jamais se revela plenamente – será que suportareis isto? 85. Disse Jesus: Adão nasceu de um grande poder e de uma grande riqueza. Mas não era digno deles. Se deles fosse digno, não teria morrido. 86. Disse Jesus: As raposas têm as suas tocas; as aves têm os seus ninhos - mas o Filho do Homem não tem onde repousar a sua cabeça. 87. Miserável o corpo que depende de outro corpo, e miserável a alma que depende desses dois. 88. Os arautos e os profetas irão ter convosco e vos darão o que é vosso. Dai-lhes também vós o que é deles. 89. Disse Jesus: Por que lavais o exterior do recipiente? Não sabeis que o mesmo que creou o interior creou também o exterior? 90. Jesus disse: Vinde a mim, porque o meu jugo é suave e o meu domínio é agradável – e encontrareis repouso para vós mesmos. 91. Disseram-lhe eles: Dize-nos quem és tu, para que tenhamos fé em ti. Respondeu-lhes ele: Vós examinais o aspecto do céu e da terra, mas não conheceis aquele que está diante de vós. Não sabeis dar valor ao tempo presente. 92. Disse Jesus: Procurai, e achareis. O que me perguntastes nesses dias, eu não vos disse; agora vos digo – e não me perguntais. 93. Não deis as coisas puras aos cães, para que não as arrastem ao lodo. Nem lanceis as pérolas aos porcos, para que não as conspurquem. 94. Quem procura achará; a quem bate abrir-se-lhe-á. 95. Quando tendes dinheiro, não o empresteis a juros, mas dai-o a quem não vos possa restituir. 96. O Reino do Pai é semelhante a uma mulher que tomou um pouco de fermento, misturou-o com a massa, e fez com ela grandes pães. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! 97. Disse Jesus: O Reino é semelhante a uma mulher que levava por um longo caminho uma vasilha cheia de farinha. Pelo caminho, uma alça da vasilha quebrou e a farinha se espalhou atrás dela sem que ela o percebesse; e por isto não se afligiu. Chegada em casa, ela colocou a vasilha no chão – e achou-a vazia. 98. Disse Jesus: O Reino do Pai é semelhante a um homem que quis matar um poderoso. Em sua própria casa ele desembainhou a espada e enfiou-a na parede para saber se sua mão era forte o suficiente para realizar a tarefa. Depois foi matar o poderoso. 99. Seus discípulos lhe disseram: Teus irmãos e tua mãe estão aguardando lá fora. Respondeu-lhes ele: Os que, nesses lugares, fazem a vontade de meu Pai são os meus irmãos e minha mãe, e são eles que entrarão no Reino de meu Pai. 100. Mostraram a Jesus uma moeda de ouro e disseram: Os agentes de César exigem de nós o pagamento do imposto. Respondeu ele: Dai a César o que é de César, e dai a Deus o que é de Deus - e dai a mim o que é meu. 101. Quem não abandona seu pai e sua mãe, como eu, não pode ser meu discípulo. E quem não amar a seu Pai e sua Mãe, como eu, esse não pode ser meu discípulo; porque minha mãe me gerou, mas minha Mãe verdadeira me deu a vida. 102. Disse Jesus: Ai dos fariseus! Eles se parecem com um cão deitado no cocho dos bois; não come nem deixa os bois comerem. 103. Disse Jesus: Feliz do homem que sabe por onde penetram os ladrões! Assim pode erguer-se, reunir forças e estar alerta e pronto antes que eles venham. 104. Disseram-lhe: Vinde, vamos hoje orar e jejuar. Respondeu Jesus: Que falta cometi eu, em que ponto sucumbi? Mas, quando o esposo sair da sua câmara nupcial, então oraremos e jejuaremos. 105. Disse Jesus: Quem conhece o seu pai e sua mãe, porventura será chamado filho de prostituta? (sobre a natureza Divina da alma) 106. Disse Jesus: Se de dois fizerdes um, então vos fareis Filhos do Homem. E então, se disserdes a este monte "retira-te daqui" – ele se retirará. 107. Disse Jesus: O Reino é semelhante a um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas se extraviou, e era a maior de todas. Ele deixou as noventa e nove e foi em busca daquela única até achá-la. E, depois de achá-la, lhe disse: eu te amo mais do que as noventa e nove. 108. Disse Jesus: Quem beber da minha boca se tornará como eu. E eu serei o que ele é. E as coisas ocultas lhe serão reveladas. 109. Disse Jesus: O Reino se parece com um homem que possuía um campo no qual estava oculto um tesouro de que ele nada sabia. Ao morrer, deixou o campo a seu filho, que também não sabia de nada; tomou posse e vendeu o campo – mas o comprador descobriu o tesouro ao arar o campo. 110. Disse Jesus: Quem encontrou o mundo e se enriqueceu, que renuncie ao mundo. 111. Disse Jesus: O céu e a terra se desenrolarão diante de vós, e quem vive do Vivente não verá a morte. Quem se acha a si mesmo, dele não é digno o mundo. 112. Disse Jesus: Deplorável a carne que depende da alma! Deplorável a alma que depende da carne! 113. Os discípulos perguntaram-lhe: Em que dia vem o Reino? Jesus respondeu: Não vem pelo fato de alguém esperar por ele; nem se pode dizer ei-lo aqui! Ei-lo acolá! O Reino está presente no mundo inteiro, mas os homens não o enxergam. 114. Simão Pedro disse: Seja Maria afastada de nós, porque as mulheres não são dignas da vida. Respondeu Jesus: Eis que eu a atrairei, para que ela se torne homem, de modo que também ela venha a ser um espírito vivente, semelhante a vós homens. Porque toda a mulher que se fizer homem entrará no Reino dos céus. ................................................................................................................ O EVANGELHO O Evangelho de Tomé, preservado em versão completa num manuscrito copta em Nag Hammadi, é uma lista de 114 ditos atribuídos a Jesus. Alguns são semelhantes aos dos evangelhos canônicos de Mateus, Marcos, Lucas e João, mas outros eram desconhecidos até a descoberta desse manuscrito em 1945. Tomé não explora, como os demais, a forma narrativa, apenas cita —de forma não estruturada— as frases, os ditos ou diálogos breves de Jesus a seus discípulos, contados a Tomé, dito Dídimo ("gêmeo" em grego), sem incluí-los em qualquer narrativa, nem apresentá-los em contexto filosófico ou retórico. Determinar uma data para o Evangelho de Tomé é muito complexo porque é muito difícil saber com precisão a que coisa está sendo colocada uma data. Estudiosos têm proposto datas tão cedo como 40 ou tão tarde como 140, dependendo de se o Evangelho de Tomé é identificado com o núcleo original de ditos, com o texto publicado do autor, com os textos gregos ou coptos ou com paralelos em outras literaturas. Segundo a sugestão do Prof. Helmut Koester, que leciona na Universidade Harvard, o Evangelho de Tomé foi recompilado por volta do ano 140, mas talvez contenha textos de algumas tradições ainda mais antigas que os evangelhos canônicos, possivelmente da segunda metade do século primeiro (50−100), em Síria, Palestina ou Mesopotamia. Ou seja, da mesma época ou anterior aos evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João. Koester também disse que este evangelho lembra a fonte hipotética denominada Q, com ditos que teriam sido usados pelos evangelhos de Lucas e Mateus. Também segundo esse autor, o texto em copta é uma tradução do grego. Segundo Stevan Davies deve ser datado entre os anos 50 e 70. No Evangelho, a identidade de Jesus entra em questão a partir do dito 13. Jesus propõe aos discípulos a que ele se assemelharia. Pedro dá-lhe uma dimensão sobrenatural, enquanto Mateus, o coloca entre os filósofos. Tomé afirma que Jesus é inefável. A filiação divina é assegurada, no dito 44, ao Jesus se referir a Deus como pai. O designativo principal para Jesus é o Vivente (dito 52). Jabal al-Tarif Em dezembro de 1945, alguns felás (beduínos egípcios) deslocavam-se com seus camelos por perto de um rochedo chamado Jabal al-Tarif, que margeia o rio Nilo, no Alto Egito, não muito longe da moderna cidade de Nag Hammadi. Eles estavam procurando um tipo de fertilizante natural na área, chamado sabaque. No sopé do Jabal al-Tarif começaram a cavar em torno de uma pedra que caíra no talude, e, sem esperarem, encontraram um jarro de armazenagem com um recepiente selado na parte superior. Um dos felás, chamado Muhammad Ali Samman, quebrou o jarro com uma picareta na esperança de encontrar algo valioso, talvéz um pequeno tesouro. Deve ter ficado um tanto quanto decepcionado ao ver que, em vez de ouro ou algum tipo de objeto de igual valor, no jarro só havia fragmentos de papiros. Muhammad Ali Samman, sem querer ou se dar conta, havia descoberto treze livros de papiro (códices), a que hoje chamamos de a biblioteca copta de Nag Hammadi, dois anos antes de outra descoberta famosa, a dos Manuscritos do Mar Morto, conjunto de documentos encontrados na Palestina e que haviam pertencido a uma comunidade judáica que professavam uma forma ascética diferente de judaísmo, conhecido como essênios. Porém, apesar destes últimos manuscritos terem tido maior divulgação, serem mais famosos e terem sido alvos de debates, os primeiros possuem, todavia, caráter muito mais revolucionário, em especial por estarem ligados diretamente ao cristianismo. Além de outras obras valiosas, entre estes papiros estava algo muito interessante: o chamado Evangelho de Tomé, que é uma coletânea de sentenças de Jesus que teriam sido compiladas, segundo a primeira frase deste Evangelho, por Judas Tomé, O Gêmeo. Antes desta descoberta excepcional, os estudiosos dos evangelhos já tinham algumas referências dos pais da Igreja referentes a um documento denominado Evangelho de Tomé (ou de Tomás). Porém, o conteúdo deste documento punha em xeque alguns posicionamentos dogmáticos da Igreja. Cirilo de Jerusalém, em suas Catequeses 6.31 afirmava que o Tomé que escreveu este Evangelho não era um seguidor de Jesus, mas um maniqueu - um maniqueísta, portanto, seguidor gnóstico e místico de Mani, mestre herético do século III. Só que, atualmente, é quase consenso de que o texto de Nag Hammadi foi bem escrito antes do movimento maniqueísta ter vindo à lume e, ainda mais, tudo indica que a cópia copta deste evangelho se baseia em um texto ainda mais antigo, provavelmente escrito em grego e/ou aramaico, a língua falada por Cristo. Além dos testemunhos dos chamados padres da Igreja, temos fragmentos de três papiros gregos - encontrados num monte de lixo em Oxirronco, atual Behnesa, no Egito -, publicados em 1897, e que contêm sentenças de Jesus quase idênticas aos encontrados no Evangelho de Tomé de Nag Hammadi, escrito em língua copta. Estes papiros eram representantes de edições gregas do Evangelho de Tomé. Ao contrário dos outros evangelhos conhecidos, quer sejam canônicos ou apócrifos, o Evangelho de Tomé não expõe em nada narrativas sobre a vida de Jesus de Nazaré, mas atém-se especificamente às sentenças que teriam sido proferidas por Jesus a seus discípulos. O que chegou à nós, em formas de textos evangélicos, não são mais do que interpretações sobre os dizeres do Cristo feito por discípulos, já que Jesus não deixou nada escrito, tudo o que dele sabemos é de segunda ou terceira mão, sendo o primeiro evangelho sinótico, o de Marcos, sido escrito provavelmente por volta do ano 60, ainda que baseado - segundo experts - em um texto anterior, chamado de quelle - fonte, em alemão, e que muitos pensam estar contido em grande parte no Evangelho de Tomé. SALVAÇÃO A temática do Evangelho de Tomé, segundo Bart D. Ehrman, “gravita em torno de um evangelho que se preocupa com a salvação, mas que não considerava a morte e a ressurreição de Cristo como requisito para isso” (EHRMAN, 2012, p. 92). A salvação vem pela correta interpretação dos ditos de Jesus, como no já mencionado dito de abertura da obra: “Estas são as palavras secretas de Jesus, o vivo, que foram escritas por Dídimo Judas Tomé. Quem descobrir o sentido dessas palavras, não provará a morte”. E dentro desse contexto soteriológico, diversos temas emergirão, como nos informa Marvin Meyer: Como evangelho sapiencial, O Evangelho de Tomé proclama uma mensagem característica. Diversamente do modo como é retratado em outros evangelhos, em especial nos evangelhos do Novo Testamento, Jesus, no Evangelho de Tomé, não realiza milagres físicos, não revela o cumprimento de profecias, não anuncia qualquer reino apocalíptico prestes a romper a ordem do mundo e não morre pelos pecados de ninguém. Ao contrário, o Jesus de Tomé dispensa percepção a partir da fonte borbulhante da sabedoria (Sent. 13), desconta o valor de profecia e sua realização (Sent. 52), critica anúncios apocalípticos, de fim de mundo (Set. 51, 113), e oferece um modo de salvação por meio de um encontro com as sentenças do “Jesus Vivo”. TOMÉ São Tomé é conhecido popularmente como o “sem fé”. O seu nome é citado constantemente quando queremos falar para alguém não duvidar. Mas será que é assim mesmo? Será que ele não teria algo para acrescentar à nossa vida cristã, à nossa fé? Tentarei responder essas perguntas inspirado em algumas passagens do Evangelho de São João, onde aparece Tomé, e em uma catequese que o Papa emérito Bento XVI deu sobre São Tomé no dia 27 de setembro de 2006. A primeira coisa que proponho é compreendermos melhor o sentido do seu nome. Ele deriva de uma raiz hebraica ta’am que significa “junto”, “gêmeo”. Ele também é chamado no Evangelho algumas vezes de Dídimo (cf. Jo 11,16; 20, 24; 21,2), que no grego significa precisamente “gêmeo”. Agora que compreendemos um pouco melhor o seu nome vejamos algumas de suas características que nos tem muito a ensinar. A primeira delas é que Tomé era um homem de valor. Esse valor é mostrado quando Jesus, em um momento crítico de sua vida, decide ir a Betânia para ressuscitar o seu amigo Lázaro. Betânia fica muito próxima a Jerusalém, cidade onde as autoridades judias já haviam decidido que Jesus deveria morrer. Existia um perigo real de Jesus e os Apóstolos serem capturados e mortos. Surge então a voz corajosa de Tomé: “Vamos nós também, para morrermos com Ele” (Jo 11, 16) Bento XVI fala que “sua determinação de seguir o Mestre é deveras exemplar e oferece-nos um precioso ensinamento: revela a disponibilidade total de aderir a Jesus, até identificar o próprio destino com o d’Ele e querer partilhar com Ele a prova suprema da morte”. Outra lição que aprendemos de Tomé é que ele era um homem que não tinha medo de perguntar, de buscar a verdade. Ele não podia viver com uma pergunta sem resposta. Essa característica está presente no episódio da Última Ceia. Naquela ocasião, Jesus, predizendo a sua morte iminente, anuncia que vai preparar um lugar para os discípulos para que eles estejam onde Ele estiver; e esclarece “E, para onde Eu vou, vós sabeis o caminho” (Jo 14,4). É então que Tomé questiona: “Senhor, não sabemos para onde vais, como podemos nós saber o caminho?” (Jo 14, 5). E aí que recebe a célebre resposta de Jesus: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). “Portanto, Tomé é o primeiro a quem é feita esta revelação, mas ela é válida também para todos nós e para sempre. Todas as vezes que ouvimos ou lemos estas palavras, podemos colocar-nos com o pensamento ao lado de Tomé e imaginar que o Senhor fala também conosco como falou com ele.” (Bento XVI) A próxima característica veremos na cena mais conhecida sobre a sua vida: a cena do Tomé incrédulo, que acontece oito dias depois da Páscoa. Num primeiro momento, ele não tinha acreditado que Jesus apareceu aos outros discípulos durante a sua ausência e disse: “Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito” (Jo 20, 25). “No fundo, destas palavras sobressai a convicção de que Jesus já é reconhecível não tanto pelo rosto quanto pelas chagas. Tomé considera que os sinais qualificadores da identidade de Jesus são agora sobretudo as chagas, nas quais se revela até que ponto Ele nos amou. Nisto o Apóstolo não se engana.” (Bento XVI). "Tomé responde com a profissão de fé mais maravilhosa de todo o Novo Testamento: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20, 28)." Sabemos que oito dias depois Jesus volta a aparecer aos discípulos e Tomé está presente. Então o Senhor fala para ele: "Põe teu dedo aqui e vê minhas mãos! Estende tua mão e põe-na no meu lado e não sejas incrédulo, mas crê!" (Jo 20, 27). Tomé responde com a profissão de fé mais maravilhosa de todo o Novo Testamento: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20, 28). O evangelista prossegue com uma última palavra de Jesus a Tomé: "Porque me viste, acreditaste. Felizes os que, sem terem visto, crerão" (cf. Jo 20, 29). Esta frase também pode ser conjugada no presente; "Bem-aventurados os que creem sem terem visto". Jesus enuncia aqui um princípio fundamental para todos os cristãos que virão depois de Tomé. Bento VXI, sobre essa passagem, comenta que o “caso do Apóstolo Tomé é importante para nós pelo menos por três motivos: primeiro, porque nos conforta nas nossas inseguranças; segundo porque nos demonstra que qualquer dúvida pode levar a um êxito luminoso além de qualquer incerteza; e por fim, porque as palavras dirigidas a ele por Jesus nos recordam o verdadeiro sentido da fé madura e nos encorajam a prosseguir, apesar das dificuldades, pelo nosso caminho de adesão a Ele.” Uma última passagem em que aparece Tomé demonstra uma última lição, que podemos dizer que é o fruto do amadurecimento de sua fé no Senhor: a aparição do Ressuscitado na pesca milagrosa no Lago de Tiberíades (cf. Jo 21,2). Ele é mencionado no relato imediatamente após o nome de Pedro: sinal evidente da grande importância de que gozava no âmbito das primeiras comunidades cristãs. Em seu nome foram escritos depois os Atos e o Evangelho de Tomé, ambos apócrifos, mas que são importantes para o estudo das origens cristãs. Tomé havia mudado. Ele já não estava ausente quando Jesus se manifestou. Acompanhou o Senhor em todos os momentos. Sua fé madura permitiu que ele desse muitos frutos apostólicos. Segundo uma antiga tradição, Tomé evangelizou primeiro a Síria e a Pérsia (assim refere já Orígenes, citado por Eusébio de Cesareia, Hist. eccl. 3, 1), depois foi até à Índia ocidental (cf. Atos de Tomé 1-2 e 17ss.), de onde enfim alcançou também a Índia meridional. “Nesta perspectiva missionária terminamos a nossa reflexão, expressando votos de que o exemplo de Tomé corrobore cada vez mais a nossa fé em Jesus Cristo, nosso Senhor e nosso Deus.” Bento XVI Quem foi Tomé? Não se sabe muito sobre a biografia de Tomé com relação a sua vida pessoal, origem etc. Seu nome, Tomé, é de origem aramaica e também significa “gêmeo”, assim como sua forma grega, Dídimo. Na verdade é o apóstolo João quem acrescentou a forma grega de seu nome, muito provavelmente por estar escrevendo para leitores gregos. Devido ao significado de seu nome, parece evidente que ele tenha tido um irmão gêmeo, porém não existe qualquer informação sobre esse irmão ou irmã do apóstolo. Também é no Evangelho de João que encontramos as melhores informações sobre quem foi Tomé, visto que nos outros Evangelhos e no livro de Atos ele é meramente mencionado na lista que traz os nomes dos apóstolos (Mateus 10:3; Marcos 3:18; Lucas 6:15; Atos 1:13). A personalidade de Tomé Tomé aparece na Bíblia como sendo alguém de extremos, isto é, ele demonstrava ao mesmo tempo pessimismo e uma enorme devoção ao Senhor. Isso fica bastante claro na narrativa sobre a ressurreição de Lázaro, o irmão de Marta e Maria, amigo de Jesus. Na ocasião, considerando a ameaçava real de apedrejamento caso Jesus fosse à Judéia, Tomé declarou: “Vamos também nós para morrermos com ele” (João 11:16). Essa declaração expressa muito bem seu desânimo e pessimismo, isto é, ele era alguém que espera primeiro a desgraça. No entanto, essa mesma declaração mostra sua aptidão a morrer juntamente com o seu Senhor. É verdade que alguns comentaristas defendem que essa frase não se refere à ideia de morrer com Jesus, mas aponta para a situação de Lázaro, especialmente considerando o fato de que quando Jesus realmente foi preso e levado à morte, os discípulos fugiram. Todavia, essa interpretação não faz nenhum sentido à luz do versículo 8 do mesmo capítulo 11 de João, onde encontramos explicitamente a informação de que os judeus procuravam apedrejar Jesus. O fato de Tomé nesse episódio declarar que morreria com Jesus na Judéia, em nada contradiz seu sumiço no momento da crucificação. Devemos nos lembrar de que o apóstolo Pedro também afirmou que nunca negaria Jesus, mas no final o resultado foi outro. Isso não significa falta de sinceridade, apenas falta de coragem (cf. Mateus 26:35). Mais tarde, Tomé também demonstrou dúvida acerca do ensino do Senhor Jesus de que os discípulos conheciam o caminho para onde Ele estava indo, ao dizer: “Senhor, não sabemos para onde estás indo; como podemos conhecer o caminho?” (João 14:5). É possível que Tomé, nesse questionamento, estivesse representado o pensamento dos outros discípulos. De qualquer forma, essa frase revela certa fraqueza, mas que é imediatamente confrontada com a conhecida resposta do Senhor Jesus: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida” (João 14:6). Tomé viu o Cristo ressurreto Após sua ressurreição, Jesus apareceu aos seus discípulos, porém Tomé estava ausente. Mais tarde, quando os demais apóstolos lhe contaram que o Jesus havia aparecido, Tomé revelou certa incredulidade (João 20:24,25). Essa atitude parece se harmonizar com seu caráter um tanto quanto pessimista. Demonstrando nervosismo, Tomé exigiu provas tangíveis para poder acreditar na ressurreição de seu Mestre. Ele queria ver com seus próprios olhos e tocar com seus dedos as marcas dos cravos nas mãos de Jesus e seu lado que havia sido transpassado por uma lança. Isso significa que Tomé estava disposto a acreditar na ressurreição, mas não antes de receber provas concretas.Ele precisa se certificar de que Aquele a quem os discípulos estavam dizendo ter visto realmente era seu Mestre. Ele queria provar o que os outros tinham provado, isto é, ver o Senhor Jesus pessoalmente, e ainda ir mais além, tocar nas terríveis cicatrizes. Oito dias depois, estando os discípulos reunidos, Jesus apareceu no meio deles, mesmo com as portas e janelas do lugar onde estavam, trancadas. Então, Ele se dirigiu a Tomé e o convidou a tocar em suas feridas, exortando-o a não ser incrédulo, mas crente (João 20:27). Nesse episódio, com relação a sua natureza divina, Jesus revelou o atributo da onisciência. O texto bíblico não esclarece se Tomé tocou ou não nas feridas de Jesus, ou se apenas esse terno convite, respondendo nos mínimos detalhes a sua exigência, já tenha bastado. Muito provavelmente ele tocou, mas em todos os casos, seja qual tenha sido sua reação, ela o conduziu prontamente a sua profunda declaração de fé: “Senhor meu, e Deus meu!” (João 20:28). Essa declaração apontava diretamente para verdade de que Jesus é realmente Deus, uma das pessoas da Santíssima Trindade (cf. João 1:1-3). Tomé também estava presente junto aos discípulos que pescavam num barco no mar da Galiléia quando Jesus novamente apareceu a eles (João 21). A morte do apóstolo Tomé Além dos relatos bíblicos, pouca coisa se sabe sobre o restante da vida de Tomé. Existem muitas especulações a seu respeito baseadas em lendas e antigas tradições cristãs. Uma dessas tradições conta que Tomé pregou o Evangelho na Índia e Síria. Finalmente, podemos dizer que tudo o que realmente era importante que soubéssemos sobre quem foi Tomé está registrado na Bíblia, e certamente já é o suficiente para conhecermos um pouco mais sobre o popularmente conhecido “incrédulo Tomé”, que nos Evangelhos aparece como alguém que tinha seus defeitos, mas que também tinha uma profunda devoção ao Senhor Jesus. Origens Tomé foi um dos doze Apóstolos escolhidos por Jesus (Marcos 3, 18; Mateus 10, 3) Era judeu, da Galiléia e provavelmente pescador. Seu nome aparece onze vezes no Novo Testamento. Tomé ou Tomás, significa “gêmeo”. No grego, a palavra equivalente é Didymus. Isto nos faz supor que ele tinha um irmão gêmeo. Ele acompanhou Jesus como discípulo durante os três anos de vida pública do Mestre. Após a morte de Jesus, Tomé estava entre os Apóstolos que receberam o Espírito Santo no dia de Pentecostes. Depois disso, sabe-se que ele foi pregar o Evangelho na Índia. A Dúvida de São Tomé A memória de São Tomé está fortemente relacionada ao fato de ele ter duvidado de seus companheiros, quando estes lhe afirmaram terem visto Jesus ressuscitado (João 20, 24-29). Ele quis “ver para crer”. Neste sentido, ele representa a cada um de nós quando passamos por momentos de dúvida. Por outro lado, sua dúvida nos ajuda a entender que Deus não rejeita a necessidade de certeza, mas elogia aqueles que “creem sem terem visto”. Porém, que possamos nos inspirar também no seu testemunho de fé quando a verdade se apresenta. Tomé no Novo Testamento O nome de Tomé aparece onze vezes no Novo Testamento: Mt 10,3 - Filipe e Bartolomeu. Tomé e Mateus, o publicano. Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu. Mc 3,18 - Ele escolheu também André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Tadeu, Simão, o Zelador; Lc 6,15 - Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu; Simão, chamado Zelador; Jo 11,16 - A isso Tomé, chamado Dídimo, disse aos seus condiscípulos: Vamos também nós, para morrermos com ele. Jo 14,5 - Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho? Jo 20,24 - Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Jo 20,26 - Oito dias depois, estavam os seus discípulos outra vez no mesmo lugar e Tomé com eles. Estando trancadas as portas, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse: A paz esteja convosco! Jo 20,27 - Depois disse a Tomé: Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de fé. Jo 20,28 - Respondeu-lhe Tomé: Meu Senhor e meu Deus! Jo 21,2 - Estavam juntos Simão Pedro, Tomé (chamado Dídimo), Natanael (que era de Caná da Galiléia), os filhos de Zebedeu e outros dois dos seus discípulos. Atos 1,13 - Tendo entrado no cenáculo, subiram ao quarto de cima, onde costumavam permanecer. Eram eles: Pedro e João, Tiago, André, Filipe, Tomé, Bartolomeu, Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão, o Zelador, e Judas, irmão de Tiago. Três passagens O Evangelho de São João apresenta três passagens importantes onde Tomé se torna protagonista, revelando um temperamento melancólico, pessimista e para quem tudo tem que ser muito esclarecido. A primeira delas é quando emissários de Lázaro, amigo de Jesus, pede que o mestre vá curar Lázaro que está doente. Jesus estava sendo perseguido pelos líderes judeus. Então Tomé diz: “Vamos também nós, para morrermos com ele” (Jo 11,16). A segunda intervenção importante de Tomé, mostra, mais uma vez, seu pessimismo, mas dá a Jesus a oportunidade de fazer uma de suas revelações mais importantes: “Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho? Ao que Jesus respondeu: Eu sou o Caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim.” (Jo 14,5-6) E a terceira passagem, como vimos, foi quando Tomé duvidou da ressurreição de Jesus e quis “ver para crer” (Jo 20, 24-29). A incredulidade de São Tomé transformou-se numa das provas da ressurreição de Cristo, pois, foi atestada por um cético. Apóstolo Após a ressurreição de Cristo e a vinda do Espírito Santo em Pentecostes, Tomé, como todos os outros apóstolos, saiu para pregar o Evangelho onde Deus o levasse. Sabe-se que ele anunciou a Boa Nova entre os partas, os medos e os persas. A Tradição aponta também que foi ele quem levou o Evangelho pela primeira vez à Índia. Lá, foi perseguido por líderes religiosos Missionário e mártir na Índia Os católicos de Malabar, na Índia, cultuam São Tomé há dois mil anos. A Tradição local conservou a história de São Tomé como evangelizador daquele local. Conservam também a história de seu martírio através dos hindus, que o feriram mortalmente com lanças por causa do poder de sua pregação. Com efeito, a pregação de São Tomé converteu a muitos na região e nasceu ali uma fervorosa comunidade cristã que dura dois mil anos. Comprovação Documentos antiquíssimos atestavam a ida de São Tomé para a Índia e seu martírio através de lanças. Muito mais tarde, no Século XVI, quando os portugueses chegaram àquele país, descobriram a cripta onde está sepultado o corpo de São Tomé, bem como suas relíquias, um pouco de sangue coagulado e um pedaço de uma lança que o feriu de morte. São Francisco Xavier, também no Século XVI encontrou a herança cristã deixada por São Tomé na Índia. Milagre da Tsunami No ano de 2004 um fato mexeu com toda a região. Em dezembro deste ano, como foi noticiado, uma terrível tsunami devastou totalmente a região. Porém, a Igreja de São Tomé onde se conversam suas relíquias, ficou intacta. Uma tradição local conta que São Tomé fincou um poste em frente ao local onde fica a igreja, afirmando que as águas do mar jamais ultrapassariam aquela marca. O poste se conserva até hoje e fica em frente do local onde, mais tarde, construiu-se a igreja dedicada a ele. Por causa disso, alguns sacerdotes hindus da região decidiram não mais perseguir os cristãos do local. Oração a São Tomé “Ó Apóstolo São Tomé, experimentaste o desejo de querer morrer com Jesus, sentiste a dificuldade de não conhecer o Caminho, e viveste na incerteza e na obscuridade da dúvida, no dia de Páscoa. Na alegria do encontro com Jesus Ressuscitado, na comoção da fé reencontrada, num ímpeto de terno amor, exclamaste: "Meu Senhor e meu Deus!" O Espírito Santo, no dia de Pentecostes, transformou-te num corajoso missionário de Cristo, incansável peregrino do mundo, até aos extremos confins da terra. Protege a tua Igreja, a mim e à minha família e faz com que todos encontrem o Caminho, a Paz e a Alegria para anunciar, com paixão e abertamente, que Cristo é o único Salvador do Mundo, ontem, hoje e sempre. Amém.” REFLEXÕES Tomé tem apenas umas poucas declarações desenvolvidas sobre quem é Jesus. Aquelas que possuímos indicam uma cristologia “alta”, um Jesus singular enviado pelo Pai que é luz. Cristologia é o ensinamento sobre quem é o Messias e o que ele faz. Na Igreja, isso significava ensinar sobre Jesus. Uma cristologia “baixa” aponta para um Jesus humano. Uma cristologia “alta” proclama Jesus como uma personagem divina ou, pelo menos, uma personagem que se relaciona com Deus de maneira singular. Tomé tem uma cristologia “alta”, mas a obra não especifica sua exata natureza. Os mais importantes dizeres sobre Jesus são 77, 13 e 61, No dizer 77, lê-se o seguinte: “Disse Jesus: ‘Eu sou a Luz que paira acima de todas as coisas, eu sou o Todo, o Todo veio através de mim e o Todo emana de mim. Parti um (pedaço de) madeira, lá estou, levantai uma pedra, e ali me encontrareis”, Aqui Jesus afirma que ele é a luz. O texto também declara a posição singular de Jesus como alguém que está acima de tudo, como o Todo, como aquele a quem tudo se estende e como a fonte de tudo. Está presente em todos os lugares, como indica a referencia à madeira e à pedra. O papel de Jesus na criação também reflete uma cristologia alta. Aqueles que inferem que Tomé não possui uma cristologia alta ignoram esse texto para fazer tal declaração (p. ex., Pagels 2003, 68) Essa passagem sugere que Jesus possui autoridade singular e criadora, mas Tomé nunca descreve essa autoridade. Para Tomé Jesus é mais do que um professor de sabedoria ou um grande filósofo que simplesmente aponta o caminho para a luz. O dizer 13 também confirma esse papel singular. Lemos o seguinte ali. “Disse Jesus aos seus discípulos: ‘Fazei uma comparação e dizei-me com quem me pareço.’ Simão Pedro respondeu-lhe: ‘És como um anjo justo.’ Mateus lhe disse: ‘És como um sábio.’ Disse-lhe Tomé: ‘Mestre, meus lábios são totalmente incapazes de dizer-te com que te pareces.’ Jesus disse: “Não sou teu Mestre porque bebeste e te tornaste ébrio com a fonte borbulhante que te desvelei.” (Robinson 2000, 2.59; Robinson 1990, 127-28) Jesus então chama Tomé para uma discussão a parte. Quando os discípulos questionam Tomé sobre a conversa, ele responde que, se mencionar qualquer uma daquelas coisas, eles pegariam em pedras, e fogo sairia das pedras e os queimaria. Várias coisas se destacam aqui. Primeiramente, existe uma cristologia alta porque o papel de Jesus é inexprimível. Segundo, existe uma ênfase num segredo que e mantido, que não deve ser revelado a ninguém, refletindo o lado elitísta e secreto desse movimento. Terceiro, a resposta de Jesus tem em mente de modo especial a replica de Tomé quanto a ser incomparável, exaltando o Jesus inexprimível acima das outras opções. Aqueles que abraçam a replica de Tomé sabem alguma coisa que os outros não sabem. Se as coisas fossem reveladas àqueles que não as abraçam, eles seriam queimados por sua reação. No dizer 61, Jesus declara: “Sou o que vem daquele que é Igual, a mim me foi dado das coisas de meu Pai” (Robinson 2000, 2.75, Robinson 1990, 133 traz uma versão um pouco diferente: “Eu sou aquele que vem do que não se divide. A mim foram dadas algumas coisas de meu Pai.”). Aqui Jesus tem um elo muito forte com Deus, mas um compartilhamento de autoridade menos que completo. A identificação entre Jesus e Deus envolve um status inferior ao de igual, muito embora Jesus seja uma personagem celestial singular. O dizer 15 também pode ser importante. Ali Jesus ensina: “Quando virdes aquele que não nasceu de mulher, prosternai-vos de face no chão e adorai-o: Ele é vosso Pai” (Robinson 2000, 2.61, Robinson 1990, 128) Os acadêmicos discutem se esse texto descreve a adoração somente ao Deus Pai (Nordsieck 2004, 80-81) ou ensina que Jesus deveria ser adorado como aquele que representa o Pai (Franzmann 1996, 80) Muitos concordam com o segundo sentido. Se é assim, esse texto também reflete uma cristologia alta, na qual Jesus tem uma posição digna de adoração. Poucos textos de Tomé trazem descrições de Jesus, referindo-se a ele como “o Vivo” (prólogo, 52) Outras passagens descrevem que “bendito é aquele que era antes de existir” (dizer 19) Portanto, Jesus existia antes de vir à terra como ser humano. Essa dupla forma de existência torna-se um modelo de benção para todo aquele que nasce duas vezes (em primeiro lugar fisicamente e, então, espiritualmente) Jesus tem um relacionamento singular com Deus em Tomé. Ele é uma personagem celestial com uma posição que apenas a elite possuidora de conhecimento interno pode compreender. Tal compreensão “queimará” os de fora. A autoridade de Jesus não é absoluta, uma vez que o Pai lhe deu apenas algumas coisas, mas Jesus é mais do que um filósofo ou um anjo. Essa posição de Jesus colocará Tomé em algum lugar da região central de nosso espectro. Parece não haver dualismo em Jesus, conforme se pode ver em textos mais tipicamente gnósticos, um fator que sugere que Tomé não é um texto puramente gnóstico. Contudo, também existe diferença suficiente entre o Pai e o Filho para que o Filho tenha limites em sua autoridade. Todavia, o papel de Jesus é maior do que o dos anjos e dos maiores pensadores da humanidade. De acordo com isso, Tomé ensina uma cristologia alta, uma vez que Jesus é uma figura celestial maior, ligado de maneira singular ao Pai. Contudo, isso não reflete a mais elevada cristologia conceitual possível, como mostram outras obras. Fonte: Os Evangelhos Perdidos de Darrell L. Bock, pg.128-130. LOGION 114 - IGUALDADE DE GÊNERO O logion 114 introduz uma aparente rivalidade entre Pedro e Maria. A sentença se inicia com a provocação do discípulo em relação a presença de Maria entre os discípulos. No Evangelho de Tomé, todas as mulheres têm voz dentro da audiência dos ensinamentos de Jesus. A temática geral do Evangelho não é de uma inferiorização da mulher, mas de uma insistência em superar a distinção entre masculino e feminino. NAG HAMMADI O Evangelho de Tomé é um dos mais de 50 textos da Biblioteca de Nag Hammadi, encontrada numa caverna no Egito em 1947. Este Evangelho, escrito em copta, a língua do Alto Egito no início de nossa era, é uma tradução de um original grego, provavelmente escrito em meados do primeiro século. Portanto, ele é um dos documentos mais antigos de tradição cristã, já que os quatro evangelhos incluídos na Bíblia foram escritos provavelmente entre os anos 80 e 120 de nossa era. O Evangelho de Tomé é uma coleção de ditados de Jesus, que guarda certas semelhanças com o assim chamado Evangelho “Q”, que os eruditos bíblicos acreditam teria sido a fonte de parte dos ditados incluídos em Mateus e Lucas. Os estudiosos acreditam que as versões dos ditados de Jesus encontradas em Tomé seriam, em geral, versões mais originais do que a dos evangelhos canônicos, que teriam sofrido modificações e editorações ao longo dos séculos. Sua autoria é atribuída a Tomé, que é chamado logo no início do texto de “irmão gêmeo” de Jesus. Este parentesco deve ser entendido no seu sentido esotérico. O caráter esotérico do Evangelho é reiterado no primeiro versículo, em que é dito que quem descobrir o significado dos ensinamentos de Jesus ali contidos não provará a morte. Essa era a postura gnóstica daquele tempo e que continua válida em nossos dias. Como os ensinamentos de Jesus eram velados em linguagem simbólica, para descobrir a sua interpretação o discípulo teria de alcançar um elevado estado de consciência, uma verdadeira revelação espiritual, que conferia um estado de unidade com o Todo e a experiência da verdadeira natureza do Ser, que é origem última de nossa Alma. O estudo meditativo dos ensinamentos internos de Jesus contidos no Evangelho de Tomé, usando as quatro chaves conhecidas para a interpretação da simbologia esotérica, pode ser altamente revelador para todo “cristão desejoso de conhecer os ensinamentos esotéricos do Mestre”. APÓCRIFOS “Ele disse: ‘Aquele que encontrar o significado destas palavras não provará a morte'”. Estas palavras, escritas em tom desafiador, foram retiradas do Evangelho segundo Tomé o Dídimo, escrito gnóstico do séc. II, cujos manuscritos (datados do séc. IV) foram descobertos em 1945 em Khenoboskian (Egito), contendo 114 frases (lógios) atribuídas a Jesus. Da mesma forma que o Evangelho de Tomé o Dídimo, a arqueologia tem descoberto nas últimas décadas diversos outros “Evangelhos” (atribuídos a Pedro, Filipe, Bartolomeu, Nicodemos, etc…) e outros escritos que poderiam ser classificados como do Novo Testamento (Atos de Pedro, Apocalipse de Paulo, etc…) ou do Antigo Testamento (Ascensão de Isaías, Segredos de Enoch, etc…). Mesmo tratando sobre intervenções e milagres divinos, feitos de personagens bíblicos e outras coisas do gênero, todos são considerados apócrifos, isto é, não são reconhecidos pela Igreja como escritos inspirados. Mas por que a Igreja, os críticos e pesquisadores não os aceitam. Por acaso a Bíblia estaria completa? Os apócrifos do Novo Testamento apresentam diversos aspectos da era pós-Cristo. Algumas idéias são conformes com o reto ensinamento da Igreja como, por exemplo, a virgindade e a assunção de Maria, a descida de Cristo aos Infernos e a divindade de Jesus. Outros esclarecem pequenos detalhes que não foram abordados pelos Evangelhos canônicos, como o nome e número dos reis magos, os nomes dos pais de Maria, o nome do soldado que traspassou a lança em Jesus, a morte de São José na presença de Jesus, a apresentação de Maria no Templo de Jerusalém e a sua morte assistida pelos apóstolos, alguns outros milagres de Jesus, etc… A palavra Apócrifo vem do grego Apokryphos e significa oculto ou não autêntico. Mas este termo é usado, principalmente para designar os documentos do início da era Cristã, que abordam também a vida e os ensinamentos de Jesus, mas não foram inclusos na Bíblia Sagrada por serem considerados ilegítimos. A origem dos Livros Apócrifos (também chamados de Livros Gnósticos; do grego Gnosis, que significa Conhecimento) nos remete ao ano 367 d.C. Por ordem do Bispo Atanásio de Alexandria, que seguia a resolução do Concílio de Nicéia ocorrido em 325 d.C, foram destruídos inúmeros manuscritos dos primórdios do Cristianismo. Esses documentos eram supostamente fantasiosos e deturpavam as bases da doutrina Católica que se estabelecia naquele momento. Porém, cientes da importância histórica destes papiros originais, os Monges estabelecidos à margem do rio Nilo, optaram por não destruí-los. Ao contrário, guardaram os códices de papiros dentro de urnas de argila e as enterraram na basede um penhasco chamado Djebel El-Tarif. Ali ficaram esquecidos e protegidos por mais de 1500 anos. Em 1945, Mohammed Ali Es-Samman e seus irmãos, residentes na aldeia de El-Kasr, estavam brincando próximos ao penhasco, quando encontraram as urnas escondidas durante séculos. Pensando que se tratava de ouro, acabaram quebrando uma das urnas, mas só encontraram 13 códices com mais de 1000 páginas de papiro. Decepcionados, levaram para casa, e sua mãe chegou a usar alguns papiros para acender o fogo. Em 1952, o museu Copta do Cairo recebeu os manuscritos para sua guarda. Faltavam algumas páginas e um códice fora vendido pela família de Mohammed para o Instituto Jung, de Zurique. Esses códices passaram a ser chamados Bíblia de Nag Hammadi, localidade onde fora encontrado os manuscritos. Antes desta descoberta, só se conheciam os textos Gnósticos pelas citações de outros autores. Dos 53 textos encontrados, 40 eram totalmente desconhecidos da comunidade científica. Estes Manuscritos foram redigidos em Copta, antiga língua egípcia, que utilizava caracteres gregos. Em 1947, dois pastores descobriram em uma gruta próxima ao Mar Morto, fragmentos e rolos escritos em hebraico. Logo se percebeu a grandiosidade desta descoberta. Havia textos condizentes com a Bíblia e outros textos apócrifos. A partir de então, outras grutas foram sendo encontradas, contendo muito material em grande parte identificado como sendo do Antigo Testamento. Até este momento, todas as grutas encontradas continham material escrito em hebraico e aramaico. Porém, em 1955 foi descoberta uma gruta que continha papiros e jarros com escrita em grego. Comprovou-se que se tratavam dos mais antigos manuscritos já descobertos pelo homem, datados de tempos anteriores aos dias de Cristo. Um dos rolos, o mais conservado, apresenta uma cópia do Livro de Isaías que, ao ser comparado com as cópias modernas, trouxe a certeza de que não houve nesses dois milênios, nenhuma alteração de sua mensagem profética. Encontra-se também O Manuscrito de Lameque, conhecido como O Apócrifo de Gênesis, que apresenta um relato ampliado do Gênesis. Há ainda A Regra da Guerra, que narra a grande batalha final entre os filhos da luz e os filhos das trevas; sendo os descendentes das tribos de Levi, Judá e Benjamim, retratados como os filhos da luz, e os Edomitas, Moabitas, Amonitas, Filisteus e Gregos, representados como os filhos das trevas. Dois anos após a primeira descoberta, foram encontradas as ruínas do Mosteiro de Khirbet Qumran, uma propriedade dos Essênios. Onde provavelmente teriam sido confeccionadas as cópias das Sagradas Escrituras. Com certeza, pelo mesmo motivo que os monges de Nag Hammadi enterraram os códices dos Evangelhos Apócrifos, os essênios esconderam nas grutas de Qumran, no Mar Morto. Como vimos, foi através dessas descobertas que atualmente temos acesso a esses livros Apócrifos que deveriam, de acordo com a Igreja Católica, ter sido destruídos há muitos séculos. Não sabemos exatamente qual o critério usado pela Igreja para designar os livros que eram apócrifos ou canônicos (do grego Kanón - catálogo de Livros Sagrados admitidos pela Igreja Católica). Mas provavelmente, era apenas uma conveniência daquela época. O mais interessante, é que a própria Igreja Católica reconhece que muitos desses textos foram escritos por autores sagrados. E por que então não reconhecê-los como canônicos? E por que tais textos foram perseguidos e condenados durante séculos? Atualmente, a Igreja Católica reconhece como parte da tradição os Evangelhos Apócrifos de Tiago, Matheus, O Livro sobre a Natividade de Maria, o Evangelho de Pedro e o Armênio e Árabe da Infância de Jesus. Mas a maioria dos livros não é reconhecida. Ao todo são 112 livros, 52 referentes ao Antigo Testamento e 60 em relação ao Novo Testamento. Dentre eles estão Evangelhos (como o de Maria Madalena, Tomé e Filipe), Atos (como o de Pedro e Pilatos), Epístolas (como a de Pedro à Filipe e a Terceira Epístola aos Coríntios) e Apocalipses (como de Tiago, João e Pedro) Testamentos (como de Abraão, Isaac e Jacó). Além de A Filha de Pedro, Descida de Cristo aos Infernos, etc. Diante de tudo isso, é difícil compreender como é possível um livro considerado sagrado, ser além de escrito, formulado pelos homens conforme suas idéias retrógradas e conveniências políticas e sociais. A FÉ DO APÓSTOLO TOMÉ É possível que a simples leitura do nome do apóstolo Tomé, leve o leitor a relacionar este artigo com mais uma mensagem sobre a dúvida e a incredulidade. Tomé é um apóstolo muito conhecido não só no meio evangélico como entre os católicos e os ortodoxos, mas muitas vezes, infelizmente, mal conhecido. Todos conhecem a passagem em que Tomé manifesta a sua incredulidade, o seu nome tem sido utilizado por muitos pregadores para mensagens sobre o assunto, e por muitos incrédulos para justificar as suas atitudes, como se Tomé fosse o símbolo da dúvida e da incredulidade. Até o cinema, geralmente, tenta diminuir a figura de Tomé apresentando-o como vacilante, desinteressado, sem entendimento. Portanto, começo por pedir ao leitor destas linhas que tente pôr de parte qualquer ideia preconcebida a respeito deste apóstolo, para que possa examinar com imparcialidade o que diz a Bíblia sobre Tomé. Vamos examinar as suas dúvidas e sentir os seus problemas. As primeiras referências que os evangelhos nos dão sobre Tomé vêm nas listas dos apóstolos. Tanto em Mateus 10:2/3 como Marcos 3:18 como Lucas 6:15 o nome de Tomé aparece relacionado com o de Mateus. Porque será que os evangelistas relacionam sempre estes dois apóstolos, Tomé e Mateus? Não tenho a resposta, mas talvez por terem trabalhado juntos ou por serem muito amigos ou por terem feitios parecidos. Mateus era pessoa ponderada e metódica. Vemos isso pelo evangelho que escreveu. Talvez Tomé também fosse assim. Mas vejamos a primeira passagem que nos fala de Tomé e que se encontra em João 11:1/16 Estava então enfermo um certo Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e da sua irmã Marta. E Maria era aquela que tinha ungido o Senhor com unguento, e lhe tinha enxugado os pés com os seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava enfermo. Mandaram-lhe, pois, suas irmãs, dizer: Senhor, eis que está enfermo aquele que tu amas. E Jesus, ouvindo isto, disse: Esta enfermidade não é para morte, mas para glória de Deus; para que o Filho de Deus seja glorificado por ela. Ora Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro. Ouvindo pois, que estava enfermo, ficou ainda dois dias no lugar onde estava. Depois disto, disse aos seus discípulos: Vamos outra vez para a Judeia. Disseram-lhe os discípulos: Rabi, ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e tornas para lá? Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; mas, se andar de noite tropeça, porque nele não há luz. Assim falou, e depois disse-lhes: Lázaro, o nosso amigo, dorme, mas vou despertá-lo do sono. Disseram, pois, os seus discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo. Mas Jesus dizia isto da sua morte; eles, porém, cuidavam que falava do repouso do sono. Então Jesus disse-lhes claramente: Lázaro está morto. E folgo, por amor de vós, de que eu lá não estivesse, para que acrediteis; mas vamos ter com ele. Disse, pois, Tomé, chamado Dídimo, aos condiscípulos: Vamos nós também, para morrermos com ele. Uns dias antes desta descrição, Jesus em Jerusalém identificara-se como o Filho de Deus, sendo rejeitado pelos judeus que pegaram em pedras para o matar. No entanto, segundo João 10:39/40 ...procuravam, pois, prendê-lo, outra vez, mas ele escapou-se das suas mãos. E retirou-se de novo para além do Jordão... É portanto na outra margem do Jordão, no lugar onde João batizava que se passa esta cena que lemos. Era uma hora difícil para os apóstolos. Voltar para Jerusalém era ir ao encontro da morte. ...ainda agora os judeus procuravam apedrejar-te, e voltas para lá? Apedrejar era a maneira vulgar de se aplicar a pena capital prescrita pela antiga Lei. Os apóstolos tinham certamente assistido a várias condenações por apedrejamento. A execução fazia-se fora dos muros da cidade. As testemunhas punham as mãos sobre a cabeça do criminoso em sinal de que sobre ele repousava o crime, e despojavam-no das suas vestes, excepto uma faixa que lhe cingia os rins. Uma testemunha atirava a primeira pedra e depois toda a assistência apedrejava até à morte do condenado. Voltar para Jerusalém era ir ao encontro da morte. O terror apoderou-se dos apóstolos em contraste com a serenidade do Mestre, difícil de aceitar numa ocasião destas. No entanto, era impossível convencer Jesus a desistir do seu regresso à Judeia. A expressão que aparece no versículo 8 Disseram-lhe os discípulos é certamente um resumo duma longa conversa em que o apóstolo Pedro, impulsivo e precipitado, talvez fosse dos que mais falassem nessa ocasião. Mas nem sempre, são os que mais falam aqueles que melhor compreendem. Ainda hoje, nas assembleias das nossas igrejas acontece isso. Nem sempre são os crentes com melhor dom de palavra e que mais falam os que melhor compreendem os problemas. Por vezes, basta uma pequena frase dum crente que até aí se limitou a ouvir, para que tudo se esclareça. Embora os apóstolos continuem a expor a Jesus os perigos do seu regresso a Jerusalém, Tomé, homem de poucas palavras, observa e compreende. Sim, Jesus sabe melhor do que ninguém os perigos a que se vai expor, mas Tomé vê que Jesus é obrigado a ir, para cumprir a divina vontade do Pai. Só havia duas soluções. Ou abandonar o Mestre, ou ir ao encontro da morte. O primeiro discípulo que se decidisse, talvez arrastasse os outros indecisos atrás de si. Se alguém o abandonasse, talvez outros lhe seguissem o exemplo. Vamos nós também, para morrermos com ele. É nas ocasiões difíceis, que se manifestam os grandes homens e esse homem foi Tomé. Ele sabe qual a grande responsabilidade dos que seguem a Jesus. Ele sabe que é preciso ir com Jesus até à morte. Tomé foi o primeiro a decidir-se, plenamente consciente dos perigos da sua atitude. A sua coragem, fidelidade e amor para com o Mestre, levou-o a segui-lo dando o exemplo aos outros apóstolos. Mas, vejamos agora outra passagem em João 13:36 a João 14:6. Disse-lhe Simão Pedro: Senhor, para onde vais? Jesus respondeu: Para onde eu vou, não podes agora seguir-me, mas depois me seguirás. Disse-lhe Pedro: Por que não posso seguir-te agora? Por ti darei a minha vida. Respondeu-lhe Jesus: Tu darás a tua vida por mim? Na verdade, na verdade te digo: não cantará o galo, enquanto me não tiveres negado três vezes. Não se turbe o vosso coração: credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito; vou preparar-vos lugar. E se eu for e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que, onde eu estiver, estejais vós, também. Mesmo vós sabeis para onde vou, e conheceis o caminho. Disse-lhe Tomé: Senhor, nós não sabemos para onde vais; e como podemos saber o caminho? Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim. Estamos na semana da crucificação. Cristo tinha tomado a sua última refeição com os seus apóstolos e dava-lhes em seguida as suas últimas instruções. Muitos e maravilhosos ensinamentos tinham sido ministrados aos apóstolos, que escutavam sem compreender tudo que se passava. Eles sentiam que grandes coisas se iriam passar. Cristo falava em partir, em deixá-los, e não compreendendo todo o significado das palavras do Mestre, uma preocupação os dominava. Para onde iria o Mestre? Como o poderiam seguir? No entanto, não ousavam interrogá-lo. Pedro tinha-lhe dito: Por ti darei a minha vida, e logo ficara desiludido com a resposta de Jesus. No entanto, o Mestre, vendo a tristeza de Pedro, disse-lhe as consoladoras palavras: Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim. Só muito mais tarde é que Pedro haveria de compreender o significado desta frase. Só depois de ter negado o seu Mestre, só depois de desiludido consigo mesmo, é que havia de compreender que a sua segurança não dependia da continuidade da sua fé, nem da sua fidelidade, mas da confiança nas promessas de Jesus Cristo. É um pedido que o Mestre lhes fazia ...crede também em mim... Depois da prisão de Jesus, depois da sua crucificação, depois da sua morte, quando foi colocada a pedra do sepulcro, selada e guardada, o pedido haveria de persistir na mente dos apóstolos, ...crede também em mim... Apesar de tudo que virem, apesar de tudo que acontecer, crede em mim. É um pedido que Jesus faz ainda hoje. Apesar de tudo que possa acontecer, apesar de todas as desilusões que possas ter na tua vida ou na tua própria igreja, ou com irmãos na fé, mantém a tua fé em Jesus. É possível que, nesse momento, todos estes ensinamentos passassem despercebidos aos apóstolos. Eles tinham uma grande preocupação: O Mestre vai partir. Como poderiam eles seguir a Jesus? Os apóstolos não compreenderam as palavras do Mestre e não ousavam interrogá-lo manifestando assim a sua ignorância. Foi Tomé o primeiro que expôs a sua dúvida, que era também a dúvida de todos os apóstolos: Senhor, não sabemos para onde vais, e como podemos saber o caminho? É interessante, que enquanto Pedro manifestara a sua intenção de morrer por Jesus, Tomé pelo contrário, expõe a sua ignorância e aguarda o esclarecimento de Jesus. Como é grande a diferença entre as palavras de Tomé e de Jesus. É a diferença entre o material e o espiritual, a diferença entre o amigo do “Cristo humano” pronto a segui-lo pelos caminhos deste mundo, e o “Cristo divino” que os convidava a seguir pelo caminho dos Céus. Como poderia Tomé compreender as palavras de Jesus? Temos agora a passagem mais conhecida em, João 20:24/29. Ora Tomé, um dos doze, chamado Dídimo, não estava com eles, quando veio Jesus. Disseram-lhe pois, os outros discípulos: Vimos o Senhor. Mas ele disse-lhes: Se eu não vir o sinal dos cravos nas suas mãos, e não meter o dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei. E oito dias depois, estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco. Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu. Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram. Diz o versículo 24 que Tomé... não estava com eles quando veio Jesus. A Bíblia não nos diz onde estava Tomé, no entanto, sabemos que ele perdeu esta oportunidade maravilhosa de ver o Cristo ressurrecto por não estar com os outros apóstolos. Como consequência, todos creram na ressurreição, menos Tomé. O versículo 25, Diziam-lhe, pois, os outros discípulos... é certamente só um resumo duma grande discussão. É natural que eles discutissem durante muito tempo, talvez falassem todos ao mesmo tempo tentando convencer Tomé, mas foram mal sucedidos. Para uma pessoa realista como Tomé, fora contraproducente o entusiasmo com que o quiseram convencer. Como resultado da discussão, Tomé ficou ainda mais agarrado à sua dúvida, acabando com a discussão com a sua tão conhecida afirmação: Se eu não vir o sinal dos cravos nas suas mãos, e não meter o dedo no lugar dos cravos, e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei. Isto foi o fim da discussão. Foram palavras duras para os outros apóstolos. Talvez muitos se tivessem ofendido com a incredulidade de Tomé. Talvez se tivessem ofendido porque se esqueceram de que eles próprios não acreditaram nas mulheres enquanto Jesus não lhes apareceu. No domingo da ressurreição, Jesus fez várias aparições incluindo aos apóstolos. Passa-se em seguida uma semana inteira sem que Jesus se manifeste. Os dias sucedem-se sempre iguais e em cada dia que passa, mais persistente fica Tomé em não crer na ressurreição. Cada dia que passa, parece dar razão a Tomé em não crer na ressurreição. Como poderemos interpretar esta atitude de Tomé? Indiferença? Julgamos que não. Talvez o medo de se encontrar com Jesus depois de tudo que se passara. Ele que se declarara pronto a morrer pelo Mestre, que encorajara os outros apóstolos a segui-lo, afinal também fugira na hora de perigo. Talvez o medo de sofrer uma nova desilusão. A convivência com Jesus levara Tomé a um mundo que não era o seu, e nesse momento, afastado do seu Mestre, voltara à sua antiga natureza materialista. Assaltado pela tristeza, pela dúvida e pela desilusão, recusava-se a crer mesmo naquilo que visse, até que pudesse agarrar com as suas mãos e fazer como os cegos que por vezes se enganam menos que os outros. Tomé renega a fé, vista superior da alma, renega a sua própria vista, o mais apurado sentido que Deus nos concedeu e só crê nas suas próprias mãos. Podemos notar que, com as suas aparições, Jesus escolhia as suas testemunhas da ressurreição, aparecendo em ocasiões e em situações capazes de dissipar qualquer dúvida acerca da ressurreição. Primeiro Maria Madalena, uma fraca testemunha em que os apóstolos não creram. Depois aparece a mais mulheres, mais tarde a dois discípulos a caminho de Emaús cujo testemunho também foi recebido com muita reserva da parte dos outros crentes. Em seguida aparece estando os apóstolos e outros discípulos reunidos, colocando-se no meio deles. Cristo teve o cuidado de se colocar no meio, para desfazer qualquer dúvida quanto a ilusões de óptica ou efeitos de luz. Ele se colocou no meio, para ser visto sob todos os ângulos e ainda mais do que isso. Segundo nos conta Lucas, Cristo pede alguma coisa para comer e tendo-lhe dado um pedaço de peixe assado, ele o comeu. Jesus sabia que não só os olhares dos apóstolos mas também os dos crentes e dos críticos através dos séculos, estariam atentos aos mais ínfimos pormenores dessa cena. Depois disto tudo, podemos dizer que Tomé já não tinha argumentos para manter a sua incredulidade. No entanto, Tomé não estivera presente nessa primeira aparição aos apóstolos. Mas chega-se ao domingo seguinte e os apóstolos, como de costume, estavam reunidos no primeiro dia da semana e Tomé também lá estava. Quanto não daríamos nós para assistir a esta cena tão importante? Se eu tivesse oportunidade, não digo de assistir a esta aparição de Jesus, mas de nomear um meu representante para confirmar o aparecimento do Mestre, em vez de nomear o maior cientista ou o maior ilusionista, eu preferia nomear Tomé, pois esse era um homem realista, perfeitamente integrado culturalmente e que conhecia perfeitamente a Jesus para o não confundir com outro homem. Tomé já não era o mesmo Tomé crente, mas um Tomé receoso, atento a todos os pormenores com a sua crítica destrutiva. Não era um homem pronto a crer e aceitar, que pudesse ser vítima da sua auto-ilusão, mas aquele que se recusava a crer até na sua própria vista. Ele tinha esperado todos esses dias, quando a voz calma de Jesus soa com toda a nitidez. Paz seja convosco. Era a mesma voz que Tomé tão bem conhecia e que durante três anos lhe falara da ressurreição que ele se recusava a aceitar. O Mestre voltara com a sua saudação tão conhecida. Paz seja convosco. Era o mesmo Mestre. Era a mesma saudação de Paz que Jesus dirigia nesse momento àqueles que dias antes o haviam abandonado e fugido, que haviam quebrado as suas promessas de morrer pela fé, que haviam voltado para os seus lares. O Mestre não lhes dirige uma única palavra de censura. Em vez disso, voltara com a sua calma e serenidade para lhes dar a sua Paz. Essa Paz que excede todo o nosso entendimento. O Mestre está mais pronto a conceder o seu perdão do que nós a recebê-lo. Jesus aproxima-se, olha para os apóstolos e fixa o seu olhar em Tomé..... Ele viera propositadamente para Tomé. Era o bom pastor que vinha buscar a ovelha perdida, o mestre que vinha em auxílio do seu discípulo querido. Jesus dirige-se para Tomé e coloca-se na sua frente. Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e mete-a no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. Numa crise de fé, Tomé tem de decidir e agir. Ele sente uma nova, verdadeira e poderosa fé nascer no seu coração. Aquele Mestre que ele tanto amara, aquele por quem estivera pronto a dar a sua vida, aquele em quem crera como homem, como mestre, como amigo, aquele em quem crera sem esperança, estava na sua frente. Cristo voltara de além-túmulo para lhe dizer que era mais do que um mestre, mais do que um amigo, mais do que um profeta. Cristo voltara para lhe lembrar as suas palavras: Credes em Deus, crede também em mim. Tem confiança em mim, não com a fé sem esperança, não somente como amigo, mas como crês no próprio Deus a quem tudo é possível. Tomé, movido pela poderosa fé que sentia no seu coração, disse o que até aí não tinha descoberto: Senhor meu, e Deus meu. Tomé não se limita a ter uma nova opinião sobre a ressurreição de Jesus. Ele toma uma decisão. Senhor meu. Ele se arrepende e entrega-se incondicionalmente a Jesus aceitando-o como seu salvador. Deus meu. Já não era a mesma fé sem esperança, movida pela lealdade a um amigo. Daí em diante, Tomé punha Cristo em igualdade com Deus Pai, cria em Cristo como o Filho de Deus. Por vezes uma fé forte cresce vagarosamente. Após três anos de estudos e experiências, alegrias e desilusões, Tomé atingira a verdadeira fé em Jesus Cristo como Deus omnipotente. Tomé, o obstinado descrente no testemunho até aí dado pelos apóstolos, passara a ser o mais convicto de todos, avançando logo do facto da ressurreição para o adorar como Senhor e como Deus. Quando da primeira vez Tomé se decidira a seguir a Cristo para morrer por ele, arrastara os outros apóstolos após si. Com esta nova experiência de Tomé e com a sua declaração de fé, quantos crentes através dos tempos tem Tomé trazido aos caminhos do Senhor? Podemos dizer que, Tomé duvidou para que nós pudéssemos crer. Camilo - Marinha Grande EVANGELHO DE TOMÉ O Evangelho de Tomé é chamado de apócrifo, pois não faz parte do cânone definido pela igreja católica de Roma porque, na opinião desta instituição, não teria sido inspirado por Deus; mas é, de fato, um apócrifo no verdadeiro sentido do termo grego de que deriva, pois é um texto oculto, secreto, reservado a iniciados nos mistérios do ocultismo. Calcula-se que o Evangelho de Tomé teria sido escrito por volta do ano 140 d.C., tendo sido citado por alguns dos primeiros padres do cristianismo, como Orígenes (185-254), até que em 787 d.C foi considerado herético pelo Segundo Concílio de Niceia então organizado pela igreja romana. Porém, a despeito da sua antiguidade, apenas foi parcialmente conhecido no Ocidente em 1920, quando o professor H. G. Evelyn White, da Universidade de Cambridge, publicou The Sayings of Jesus from Oxyhrynchus, uma tradução em inglês de dois papiros em grego do século III, onde constam, somente, 14 sentenças, e que foram descobertos, em mau estado, entre 1896 e 1907 no famoso sítio arqueológico de Oxyrhynchus. O texto completo apenas foi conhecido do grande público em 1981, quando a Harper Row, Publishers publicou The Nag Hammadi Library, a tradução em inglês dos cinquenta e dois tratados, escritos em língua copta, encontrados próximo de Nag Hammadi. O manuscrito completo do Evangelho de Tomé foi descoberto (desenterrado) em dezembro de 1945, perto do Nilo, já no Alto Egito, por dois trabalhadores rurais que procuravam por um tipo de adubo que pode ser encontrado na região. Trata-se de um conjunto de cento e catorze ditos atribuídos a Jesus e seu alegado compilador, como diz o título, seria o próprio apóstolo São Tomé (Dídimo Judas Tomé), ou então, quem sabe, algum dos continuadores do trabalho de sua escola. Isso porque, se pode haver dúvida acerca da autoria do compilador dos ditos, não há dúvida de que por séculos floresceu um movimento cristão que podemos chamar de tradição ou escola de Tomé. Essa escola se localizou no norte do Oriente Médio e na Mesopotâmia, nas regiões em que hoje estão países como Síria, Turquia e Iraque, e alcançou também as terras da Índia, onde se acredita que São Tomé tenha morrido, segundo a tradição, martirizado. Pelo menos na capital de Tamil Nadu (hoje chamada de Chennai, antiga Madras) temos um túmulo que se diz ser do apóstolo do Oriente. Lá também se encontra, sendo a maior colina dessa plana cidade, o Saint Thomas Mount, com sua linda vista da cidade e da parte sul de seus arredores. Como uma curiosidade para nós de língua portuquesa, ali há uma velha capela onde ainda podemos ler uma inscrição em português, quando na Índia os portugueses tinham influência, e até estabeleceram algumas colônias. Na verdade, quando os portugueses “descobriram” o caminho marítimo para a Índia, por lá encontraram, talvez com surpresa, comunidades cristãs que praticavam um tipo de Cristianismo que perdurou naquelas terras desde os tempos do apóstolo do Oriente. Os manuscritos que hoje são conhecidos do Evangelho de Tomé, a partir dos quais todas as atuais traduções são derivadas, foram escritos em grego (fragmentos descobertos ainda no século 19, em Oxyrhincus, Egito, onde temos apenas uma minoria dos ditos preservados), e em copta (esse que é hoje o único documento preservado com um conjunto completo dos ditos). É algo digno de nota que o Evangelho de Tomé, como outros textos do Cristianismo primitivo e do Gnosticismo, cuja existência era conhecida sobretudo por menções críticas de autores que os consideraram heréticos, viessem a ser descobertos somente em meados do século 20. Isso é muito interessante, uma vez que desse modo textos importantes escaparam dos censores e das interpretações que posteriormente se tornaram dominantes e que foram impostas, por vezes muito violentamente. E vieram a ser descobertos, literalmente desenterrados, quando o mundo já respirava outros ares, muito mais laicos, já sob o predomínio do pensamento científico, pelo menos nas nações globalmente hegemônicas. Assim, esse texto completo do Evangelho de Tomé, junto com outros 51 livros, foi descoberto apenas em fins de 1945, dentro de uma urna ou grande jarro lacrado, enterrado em um local próximo ao rio Nilo, na altura da metade de seu percurso dentro do Egito, perto da localidade de Nag Hammâdi. Por essa razão esse conjunto de 52 livros ficou conhecido como Biblioteca de Nag Hammâdi. Essa coleção de livros está composta por textos que eram do interesse de comunidades cristãs primitivas, nesse caso, ao que parece, um mosteiro existente nas proximidades. O manuscrito copta, embora uma tradução – segundo os estudiosos, muito provavelmente do grego – ao contrário dos fragmentos gregos descobertos, está supreendentemente conservado. Depois de muitas peripécias, algumas das quais que implicaram em riscos à sua preservação, esse manuscrito se encontra hoje no Museu Copta do Cairo, com cópias fotográficas em outros lugares. Trata-se de um texto escrito de uma maneira muito diferente daquela dos quatro evangelhos do Novo Testamento, os quais foram escritos sob a forma de uma estória razoavelmente concatenada da vida de Jesus, com o relato de fatos supostamente históricos, tal como descritos nos quatro evangelhos que foram escolhidos para compor a Bíblia da cristandade. O Evangelho de Tomé é apenas um conjunto de ditos – declarados, no início do próprio texto, como sendo eminentemente simbólicos e de difícil interpretação – em sua maioria curtos, sem um claro ordenamento, como se o compilador fosse lembrando dos ditos proferidos por Jesus e os fosse ditando ou anotando à medida que ia se lembrando desses ditos. Esse estilo de texto não era incomum na época, e a sua forma era escolhida para textos que visavam demonstrar a importância dos conhecimentos ali contidos. Embora seu compilador, a rigor, seja desconhecido, vários estudiosos datam a composição do manuscrito mais antigo (os fragmentos gregos) de antes do ano 200 d.C., ou até mesmo no primeiro século d.C. Assim, não há dúvidas que se trata de um texto muito antigo e, desse modo, um documento muito valioso para o conhecimento de uma forma bem primitiva de ensinamento atribuído a Jesus, e aceito e estudado por comunidades cristãs dos primeiros tempos do Cristianismo. Alguns dos seus ditos guardam estreita, ou mesmo evidente, semelhança a ensinamentos e passagens dos evangelhos do Novo Testamento. Mas é importante salientar que o Evangelho de Tomé não foi baseado nesses evangelhos, tendo provavelmente se baseado em outros textos dos quais os estudiosos acreditam que os evangelhos do Novo Testamento também teriam extraído informações. A forma de uma coleção de ditos é característica dos chamados “livros de sabedoria”, ou uma coleção de ditos atribuídos a sábios e, assim, contendo ensinamentos de sabedoria. Como dissemos, esse formato era comum em várias culturas da época, como a grega e a de outros povos. Um exemplo bem conhecido são os Provérbios, entre outros livros que constam do Velho Testamento. A denominação de “evangelho” é algo da tradição cristã, e também evidencia que importância e sabedoria era atribuída ao texto, mesmo que diferente em sua forma escolhida. O manuscrito copta é geralmente aceito como sendo uma cópia feita entre 300 e 350 d.C., e como contém algumas diferenças quando comparado à redação dos fragmentos em grego, se supõem que mais de uma cópia em grego deveria existir entre as comunidades cristãs no Egito. Nesse manuscrito copta preservado não há marcas de separação entre os ditos, e a forma de escrita é como uma texto contínuo, sem separação dos ditos. Mas, como em alguns ditos dos fragmentos gregos (sabidamente mais antigos) aparecem algumas marcas de separação entre os ditos, a maioria das edições aceita a separação entre eles, e uma numeração padrão dos ditos foi estabelecida, com a qual os estudiosos concordam em praticamente todos os casos. E, assim, hoje as referências ao texto sempre usam tal numeração. Como o título indica, a São Tomé (Dídimo Judas Tomé), conhecido como o apóstolo do Oriente, é atribuída a autoria do texto. A ele se credita a conversão ao Cristianismo de regiões do norte do Oriente Médio, de partes da Mesopotâmia e também de localidades da Índia. A ele também é atribuída a honra de ser considerado o “duplo” de Jesus, ou de ser seu “gêmeo”. Também a ele se atribui, pelo menos em alguns locais influenciados pela escola de Tomé, a Epístola de Judas, no Novo Testamento. Nesse texto ele é chamado de “irmão de Jesus”, uma vez que Tiago era irmão de Jesus, e ele era irmão de Tiago. Há outros textos que lhe são atribuídos, ou onde Tomé aparece como personagem principal, como O Livro de Tomé e O Hino da Pérola. Esse último aparece dentro de uma obra maior, denominada de Os Atos de Tomé, onde o hino é cantado por Tomé, durante o tempo em que ele foi feito prisioneiro na Índia. Ele é referido nos textos mais antigos apenas como Tomé. Mas a parte principal de seu nome é Judá, ou Judas, pois ambos são traduções da mesma grafia grega. Judas, em grego Ioudas, é uma helenização do nome hebraico Judá (יהודה , Yehûdâh), palavra que significa “louvor”, “gratidão”; “abençoado”, “louvado”; “Deus é glorificado” ou “louvor a Deus”. Já “Dídimo” e “Tomé”, mesmo que tenham sido usados como nomes, ambos significam “gêmeo”, o primeiro em grego e o segundo de aramaico (siríaco). Nas comunidades cristãs primitivas que seguiam especialmente os ensinamentos do apóstolo do Oriente, Tomé era chamado claramente de “duplo” ou “irmão” de Jesus. Então, nessas comunidades pertencentes à chamada tradição de Tomé, essa temática dos “gêmeos” estava principalmente relacionada não a supostas questões de parentesco histórico-familiar, mas sobretudo com uma visão filosófico-doutrinária profunda, a qual contempla o indivíduo (o buscador, o caminhante etc.) como sendo “gêmeo” da luz divina interior, isto é, do “Jesus vivo”, conforme referido pelo próprio Evangelho de Tomé. Então, o verdadeiro conhecimento de si mesmo, que tanta ênfase merece no texto do Evangelho de Tomé, bem como em outros textos dessa tradição, significava conhecer o seu “duplo” ou “gêmeo” divino, significava não menos do que o conhecimento, a participação no Reino do Pai, ou, em síntese, o conhecimento de Deus. Conhecer a si mesmo era conhecer o “Jesus vivo”. Assim sendo, a condição de muita proximidade, de “gêmeo” ou “duplo”, existente entre Jesus e Tomé, é uma condição que aponta para um caminho de realização espiritual, ou de salvação na linguagem mais tipicamente cristã, o qual se dá pelo conhecimento (gnosis) do nosso “duplo” divino, do Jesus Cristo em nós, para usar a expressão das Cartas do apóstolo Paulo. Um caminho que enfatiza uma relação de discipulado vivo, ou real, bem como de auto-conhecimento. Essa característica central da tradição de Tomé deve ser, pelo menos, parte da razão porque alguns estudiosos situam essa tradição e seus textos, como o Evangelho de Tomé, como estando de algum modo ligados à tradição, ou movimento religioso chamado de Gnosticismo, em especial a um de seus principais expoentes que foi Valentino e sua escola. Ou seja, a crença na íntima relação, ou mesmo unidade essencial, entre (1) o indivíduo (o caminhante, o buscador), (2) Jesus (a verdadeira luz espiritual ou inspiração divina), e (3) o Pai, ou Deus em sua dimensão maior, mais profunda e universal. Contudo, há vários aspectos doutrinários importantes do Gnosticismo que não estão presentes na tradição de Tomé, o que não permite que essa escola seja definida como pertencendo ao Gnosticismo antigo ou clássico, ou à escola gnóstica de Valentino, do mesmo modo que o Evangelho de Tomé, que é um dos principais textos usados na escola de Tomé. É possível, ao invés disso, devido a ser considerado por muitos especialistas como anterior ao tempo de Valentino, que o Evangelho de Tomé tenha influenciado Valentino em sua visão de um pai celestial que abarca a totalidade dos indivíduos, e que está dentro de cada um, por meio de seu filho. Uma das características das obras ligadas ao apóstolo Tomé é a universalidade ou quase inexistência de sectarismo. Desse modo, também podemos supor que essa atitude também caracterizava as comunidades cristãs primitivas pertencentes à escola de Tomé, na qual o Evangelho de Tomé era certamente um dos principais textos de estudo. Assim, embora diferentes em vários aspectos, o ponto que une essas escolas é que o Evangelho de Tomé também expõe que a luz divina, ou o Reino, não é apenas algo ao qual o indivíduo deve se unir, mas é também uma realidade que já existe no momento presente, tanto fora, ao redor do indivíduo, quanto dentro dele, o que é afirmado inequivocamente em um dos ditos. As obras da escola de Tomé também circulavam no Egito. Lá podem ter sido conhecidas por Valentino e o ter influenciado em sua formação inicial. Os especialistas geralmente supõe que essas obras, como o Evangelho de Tomé, tenham sido escritas em regiões que hoje correspondem à Síria, ou à Turquia, em alguma cidade como Edessa (nome histórico da cidade que atualmente se chama Urfa/Sanliurfa, situada no norte da Mesopotâmia, no sudeste da Anatólia, Turquia, próxima à fronteira norte da Síria). Há bons argumentos que apontam nessa direção, mas que não nos parece necessário mencioná-los nessa breve introdução. Tais argumentos podem ser lidos, por exemplo, na obra As Escrituras Gnósticas, de Bentley Layton. Segundo esses especialistas, as obras da escola de Tomé deveriam existir pelo menos em duas línguas: o grego e o siríaco (aramaico). Voltando ao Egito, onde o manuscrito completo foi desenterrado, parece que esse texto, assim como outros dos 52 da chamada Biblioteca de Nag Hammâdi, se constituiam em preciosidades das comunidades cristãs primitivas existentes na região, pelo menos até o momento em que certas igrejas, lá pelos séculos terceiro e quarto d.C., começaram a se impor como dominantes, e já semelhantes ao que veio a ser o Cristianismo até hoje dominante. Assim, já pelo terceiro século d.C. temos notícia desse evangelho sendo tachado de herético, algo que foi repetido depois com mais ênfase e violência. Isso, é claro, pode explicar porque as comunidades e mosteiros, como o das proximidades de Nag Hammâdi, já pelos princípios do século quarto d.C., tenham enterrado suas preciosidades, as quais tivessem sido consideradas heréticas, ao invés de simplesmente proceder sua destruição. Dessa forma foram esses manuscritos preservados até nossos dias. Podemos supor que algo análogo (algum tipo de perseguição) tenha ocorrido com as comunidades essênias ao enterrarem os textos que se tornaram conhecidos como Manuscritos do Mar Morto. Esses foram descobertos em cavernas próximas ao Mar Morto, também próximas ao local de comunidades essênias e, muito coincidentemente, foram descobertos praticamente na mesma época. Esses manuscritos, também contém achados arqueológicos de grande importância, tanto para a cristandade em geral, como para o Cristianismo Budista em especial, uma vez que os essênios, hoje sabemos, para surpresa da ignorância geral acerca desse aspecto, eram muito influenciados pelos ensinamentos budistas. Voltando aos achados das proximidades de Nag Hammâdi, no Alto Egito, depois que foram desenterrados, esses passaram por muitas aventuras que, quem sabe, algum dia inspirarão o roteiro de um bom filme. Quando lemos sobre esses episódios, encontramos narrativas de mortes súbitas, disputas sangrentas pelos mesmos, e até que a apavorada mãe dos dois camponeses que encontraram os manuscritos chegou a queimar alguns dos manuscritos! Outros personagens interessantes fazem parte dessas aventuras, como um sacerdote copta, um guia de camelo, um contrabandista fora da lei e que só tinha um olho, bem como comerciantes de antiguidades em vários continentes! Completando o quadro das aventuras por que passaram nossos manuscritos, que por vezes estavam divididos, algumas de suas partes estavam (além dos comerciantes de antiguidades) com estudiosos e acadêmicos, que zelozamente as guardavam, ao que parece desejosos de serem os primeiros a publicar as traduções dos principais achados. E, além disso, houve problemas políticos, tanto nacionais (do Egito), quanto internacionais, como conflitos e o bloqueio do Canal de Suez. Tudo isso, entre outros fatores, atrasou a chegada ao público desses manuscritos, verdadeiros tesouros arqueológicos. Hoje eles se encontram, em segurança, no Museu Copta do Cairo, e estão traduzidos e publicados, ao alcance do público maior interessado. Dentre esses manuscritos da Biblioteca de Nag Hammâdi, o Evangelho de Tomé talvez seja o mais valioso. Pelo menos para nós esse é caso devido ao seu conteúdo. Ele contém ditos ao que tudo indica do próprio Jesus, de forma muito pouco adulterada pelas distorções e idolatrias que passaram a caracterizar o Cristianismo durante quase dois milênios, e que certamente ainda o caracterizam em praticamente todas as suas vertentes até os nossos dias. Segundo nossas melhores luzes, as consequências do domínio dessas distorções e idolatrias são gravíssimas para o bem estar da humanidade, uma vez que hoje ela se encontra amplamente globalizada e sob a hegemonia da chamada civilização ocidental, na qual o Cristianismo ainda desempenha papel cultural importantíssimo. Assim sendo, a esperança de dias melhores, ou de soluções consistentes para os grandes problemas mundiais, mesmo que ainda distantes, passa por um resgate de uma visão filosófico-religiosa na qual os símbolos das bíblias do mundo sejam bem interpretados, muito especialmente a Bíblia cristã, devido à hegemonia cultural do Ocidente e sua civilização. Esse fato tão importante procuramos mostrar, de forma mais analítica e detalhada, em nossos escritos sobre o Evangelho da Interpretação e sobre o Cristianismo Budista (A Roda e a Cruz: Uma Introdução ao Cristianismo Budista). Por essa razão decidimos estudar esse importante texto cuidadosamente. Iniciamos por fazer, segundo nossas melhores luzes, uma tradução que nos pareça confiável, a fim de que possamos mais tranquilamente encarar o trabalho de interpretação dos 114 ditos. Trabalho ao qual nos dedicaremos,“pianamente”, ao longo dos próximos anos e com uma atitude experimental. Ou seja, aceitamos o desafio dessa tarefa como um teste para a capacidade interpretativa do Evangelho da Interpretação (o conjunto dos ensinamentos sobre o verdadeiro Cristianismo que nos foram trazidos pela Dra. Anna Kingsford e Edward Maitland). Nessa tarefa estaremos amparados também por nossos estudos em busca de um Budismo não idólatra, por nossos conhecimentos de religião, filosofia e ciência comparados e, não menos importante, estaremos amparados por uma postura mental prudente, tolerante e abrangente, que acreditamos ser uma qualidade central, ou essencial da visão-ensinamento do primeiro “passo” do Nobre Óctuplo Caminho, que nos foi legado pela tradição budista (samaditta: reto pensar). Mesmo assim, cabe dizer que se escolhemos esse texto, o Evangelho de Tomé, para essa parte de nossos trabalhos ligados à “Roda e Cruz”, certamente não foi sem acreditarmos que ele possa ser uma “árvore que dá bons frutos”. Pelo pouco que hoje conhecemos desse evangelho, os ditos ali contidos tratam da questão da busca pela verdade espiritual e seus bons frutos de uma forma simbólica profunda e difícil de ser compreendida pela quase totalidade dos interessados caminhantes-buscadores. Há nesses ditos uma qualidade de simplicidade, de originalidade e algo de surpreendente, que nos propõe um caminhar-buscar tanto com perseverança e confiança, quanto com humildade e seriedade, nesse esforço de compreender os ditos em profundidade. Muito provavelmente, as pessoas ligadas às visões, crenças e interpretações hoje dominantes do Cristianismo não serão atraídas por um desafio desse tipo. Já acreditam possuir “a verdade, o caminho e a vida”. Porém, deve haver alguns poucos que sintam e vejam que o Cristianismo como está é parte dos grandes problemas que a humanidade hoje enfrenta, mas que também sintam que deve haver algo de verdadeiro nessa tradição, que inspirou tantos místicos, que trouxe jóias culturais, como o canto gregoriano, a iconografia, e que repetiu (mesmo com pouco viver) que devemos fazer aos outros como desejamos que façam para nós, e que, como dissemos, mal ou bem, ou melhor, mal e bem, ainda hoje é um dos fundamentos na base da civilização ocidental, cuja força cultural e econômica domina amplamente o planeta, para o bem e para o mal. E, portanto, deve haver uns poucos que se sintam motivados a buscar a essência dessa tradição, o “Jesus vivo”, tanto fora de nós, quanto dentro de nós, como uma imperiosa necessidade de nossos dias, sem qualquer desmerecimento, muito ao contrário disso, pelas demais tradições filosófico-religiosas do Oriente e do Ocidente, ou da contribuição trazida pela lógica experimental da ciência, que hoje domina as mentes dos mais instruídos, com seus aspectos sadios e doentios, ou seja, também para o bem e para o mal. Lembremos, para concluir essa introdução, que o Mestre Jesus viveu em uma região e numa cultura onde havia tanto a religião judaica de muitos de seus seguidores e ouvintes, quanto uma cultura maior, dominante, pela qual a religião judaica estava envolvida, e que também influenciava muito pesadamente a grande maioria dos seus ouvintes e seguidores. Uma cultura que podemos chamar de helenística, em sentido amplo. Isso pode nos auxiliar na interpretação de alguns conceitos usados pelo Mestre, uma vez que seus termos e conceitos mais profundos são derivados do grego, e a entender porque o Evangelho de Tomé em copta, não apenas foi traduzido do grego, porém também manteve palavras gregas ao tratar de seus principais ensinamentos. EVANGELHO DE TOMÉ Palavras Iniciais (Incipit) Estes são os ditos ocultos que Jesus, o vivo, proferiu e que foram transcritos por Dídimo Judas Tomé. (“Dídimo” e “Tomé” significam “gêmeo” em grego e em siríaco ou aramaico: didymos e tã’mã) Dito 01. Ele disse: “Quem encontrar a interpretação (ou o sentido oculto) destes ditos não provará a morte.” Dito 02. Jesus disse: “Aquele que busca não deve parar de buscar até que encontre. Quando encontrar ficará surpreso, e quando estiver surpreso se maravilhará e terá domínio sobre a totalidade.” (“e terá domínio sobre a totalidade”: em vez disso o fragmento grego encontrado em Oxirrinco, Egito, traz: “[e] estando maravilhado terá domínio; e [tendo domínio], irá [repousar]”. As últimas palavras estão apenas parcialmente preservadas no fragmento grego) Dito 03. Jesus disse: “Se vossos líderes vos disserem: ‘o Reino (de Deus) está no céu’, então os pássaros do céu estarão mais próximos. Se vos disserem: ‘o Reino está no mar’, então os peixes estarão mais próximos. Mas o Reino está dentro e está fora de vós. Quando vos tornardes conhecidos de vós mesmos (ou “conhecerdes a vós mesmos”), então sereis reconhecidos. E compreendereis que sois filhos do Pai vivo. Mas se não vos tornardes conhecidos de vós mesmos, então estais na penúria, e vós sois a penúria.” (o frag. grego tem: “[Aqueles que] se tornam conhecidos de [si mesmos] o encontrarão; [e quando vós] vos tornardes conhecidos de vós mesmos, [compreendereis isso]”) Dito 04. Jesus disse: “Um homem maduro não hesitará em perguntar a uma criancinha de sete dias a respeito do lugar da vida. E esse homem viverá. Pois muitos que são os primeiros serão os últimos e eles se tornarão um só.” Dito 05. Jesus disse: “Conhece o que está diante da tua vista (diante dos teus olhos, ao alcance da tua percepção), e o que está oculto te será revelado. Porque não há nada oculto que não venha a ser revelado.” (o frag. grego em seguida tem: “e nada enterrado que [não será elevado]”.) Dito 06. Seus discípulos lhe perguntaram e disseram: “Queres que jejuemos? Como devemos orar? Devemos dar esmolas? Que regime alimentar devemos observar?” Jesus disse: Não mintais, e não façais o que odiais, porque todas as coisas estão claras diante do céu (o frag. grego tem: “diante da verdade”). Pois não há nada oculto que não venha a ser revelado, e não há nada encoberto que permanecerá sem ser descoberto.” Dito 07. Jesus disse: “Bem-aventurado é o leão que é devorado pelo homem, de modo que o leão se torna homem. Infeliz é o homem que é devorado pelo leão, e o leão ainda se torna homem.” Dito 08. E Ele disse: “O homem é como um pescador sábio que lança a rede ao mar e puxa a rede cheia de peixes pequenos. Entre eles o sábio pescador descobre um bom peixe grande. Então, o pescador joga todos os peixes pequenos de volta ao mar e sem qualquer hesitação guarda o peixe grande. Aquele que tiver ouvidos para ouvir, ouça!” Dito 09. Jesus disse: “Escutai: um semeador saiu, tomou um punhado de sementes e as lançou. Algumas caíram no caminho e vieram os passarinhos e as comeram. Outras caíram sobre a rocha, não deitaram raízes no solo e assim não produziram grãos. Outras caíram nos espinhos e eles sufocaram as sementes e os vermes as devoraram. Outras caíram em terra boa e produziram boa safra, umas deram sessenta por medida e outras cento e vinte por medida.” Dito 10. Jesus disse: “Lancei fogo sobre o mundo e vede, eu o vigio até que ele (o mundo) arda em chamas.” Dito 11. Jesus disse: “Este céu passará, e o que está acima dele passará. O mortos não estão vivos, e os vivos não morrerão. Durante os dias em que comestes o que está morto, fizestes com que voltasse à vida. Quando estais na luz, o que fareis? No dia em que fostes um, vos tornastes dois. Mas quando vos tornardes dois, o que fareis? Dito 12. Os discípulos disseram a Jesus: “Sabemos que nos deixareis. Quem então será o nosso lider?” Jesus lhes respondeu: “Não importa aonde estejais, devereis ir a Tiago o justo, quem [conhece as razões porque] o céu e a terra vieram a existir.” (segundo tradição antiga, Tiago era irmão de Jesus e, portanto, de Tomé. Tiago foi líder da primeira comunidade cristã em Jerusalém) Dito 13. Jesus disse a seus discípulos: “Comparai-me com alguma coisa e dizei-me a quem me pareço.” Simão Pedro disse: “Te pareces com um mensageiro (anjo) de retidão (correto).” Mateus disse: “Te pareces a um sábio filósofo.” Tomé disse: “Mestre, minha boca não permite, em absoluto, dizer com quem te pareces.” Jesus disse: “Não sou teu mestre, porque bebestes, estás ébrio da fonte borbulhante que eu marquei.” Então ele o pegou, afastou-se, e lhe disse três ditos. Quando Tomé voltou para seus companheiros, eles lhe perguntaram: “O que Jesus te disse?” Tomé lhes disse: “Se eu vos disser um dos ditos que ele me disse pegareis pedras e me apedrejareis, e sairá fogo das pedras e vos queimareis.” Dito 14. Jesus lhes disse: “Se jejuardes, trareis pecado sobre vós. Se orardes, sereis condenados. Se derdes esmolas, prejudicareis vossos espíritos. Quando fordes a qualquer localidade e andardes de lugar em lugar, e as pessoas vos receberem, comam o que vos servirem e curem os enfermos entre eles. Pois aquilo que entra em vossa boca não vos prejudicará, é aquilo que sai de vossa boca que vos prejudicará.” Dito 15. Jesus disse: “Quando virdes alguém não nascido de mulher, prostrai-vos com o rosto ao chão, e O adorai: Aquele é vosso Pai.” Dito 16. Jesus disse: “Talvez as pessoas pensem que é a paz que vim lançar sobre o mundo. Eles não sabem que vim lançar disputas sobre a terra: fogo, espada e lutas. Pois, havendo cinco numa casa, três ficarão contra dois, e dois contra três, pai contra filho, e filho contra pai; e eles permanecerão como solitários.” Dito 17. Jesus disse: “Vos darei aquilo que jamais os olhos viram, os ouvidos ouviram, as mãos tocaram, nem jamais despontou (verdadeiros alcançar, compreender, conceber, conhecer, descobrir, encontrar, nascer) no coração (mente) do homem.” Dito 18. Os discípulos disseram a Jesus: “Fale-nos sobre o fim.” Jesus disse: “Então, já descobristes sobre o começo, de modo que buscais pelo fim? Pois onde está o começo estará o fim. Bem-aventurado aquele que permanece no começo: esse conhecerá o fim e não provará a morte.” Dito 19. Jesus disse: “Bem-aventurado é aquele que era (que veio a ser) antes de existir. Se vos tornastes meus discípulos e escutais minhas palavras, estas pedras vos servirão (vos ministrarão). Pois, na verdade, há para vós cinco árvores no Paraíso; elas não mudam no verão ou no inverno, e suas folhas não caem. Aquele que as conhecer não provará a morte.” Dito 20. Os discípulos disseram a Jesus: “Dize-nos com o que se assemelha o Reino dos Céus?” Ele lhes disse: “Assemelha-se a uma semente de mostarda. [Ela] é menor do que as outras sementes, mas quando cai em solo preparado, torna-se uma enorme planta e abriga os pássaros do céu.” Dito 21. Maria disse a Jesus: “Com o que se assemelham teus discípulos?” Ele disse: “Eles se assemelham a crianças que vivem em um campo que não é delas. Quando os donos da terra chegam, lhes dizem: ‘Devolvam-nos nosso campo.’ EIas ficam nuas em sua presença, e lhes devolvem o seu campo. Por isso digo, se o proprietário de uma terra sabe que está chegando um ladrão, ficará de vigia antes que chegue o ladrão, e não deixará que o ladrão entre na casa de sua propriedade e roube suas posses. Vós, portanto, ficai em guarda contra o mundo. Preparai-vos com grande força, de modo que os bandidos não possam encontrar um caminho para chegar até vós; pois os problemas que esperais virão. Que haja dentre vós uma pessoa de entendimento! Quando a safra fica madura, aquela pessoa vem rapidamente, trazendo uma foice, e a colhe. Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça!” Dito 22. Jesus viu umas criancinhas mamando. Ele disse a seus discípulos: “Essas criancinhas que estão mamando se assemelham aos que entram no Reino.” Eles lhe disseram: “Então entraremos no reino sendo criancinhas?” Jesus lhes disse: “Quando do dois fizerdes um, quando fizerdes o interno como o externo e o externo como o interno, e o que está acima como o que está embaixo, e quando fizerdes o macho e a fêmea serem um só, de modo que o macho não seja macho nem a fêmea seja fêmea, quando fizerdes olhos em lugar de um olho, mão em lugar de uma mão, pé em lugar de um pé, e imagem em lugar de uma imagem, então entrareis [no Reino].” Dito 23. Jesus disse: “Vos escolherei um entre mil e dois entre dez mil, e permanecereis como um só. Dito 24. Seus discípulos disseram: “Mostre-nos o lugar onde estais, pois devemos buscá-lo.” Ele lhes disse: “Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça! Há luz dentro de uma pessoa de luz, e sua luz ilumina o mundo todo. Se ela não brilhar, há escuridão.” Dito 25. Jesus disse: “Ama teu irmão como tua alma; o proteja como a pupila de teus olhos.” Dito 26. Jesus disse: “Vedes o cisco no olho do vosso irmão, mas não vedes a viga em vosso próprio olho. Quando tirardes a viga do vosso próprio olho, vereis com clareza suficiente para remover o cisco do olho de vosso irmão.” Dito 27. Jesus disse: “Se não vos abstiverdes (jejuardes) do mundo, não encontrareis o Reino. Se não observardes o Sabbath como um Sabbath (nas raízes semíticas: cessar, repousar, ver) não contemplareis (vereis) o Pai.” Dito 28. Jesus disse: “Assumi meu lugar diante do mundo. E para eles me manifestei encarnado (na carne, em carne e osso). Encontrei-os todos embriagados. E não encontrei nenhum deles com sede. Minha alma se compadeceu pelos filhos da humanidade, pois eles estão cegos em seus corações e não podem ver. Vazios vieram ao mundo, e também vazios eles procuram sair do mundo. Contudo, por enquanto eles estão embriagados. Quando se libertarem do seu vinho, então mudarão seus corações (se arrependerão, se converterão).” Dito 29. Jesus disse: “É algo maravilhoso se a carne veio à existência por causado espírito. Mas se o espírito [veio à existência] por causa da carne, é uma maravilha das maravilhas. Contudo, quanto a mim, fico maravilhado pelo modo como essa grande riqueza veio habitar nesta pobreza!” Dito 30. Jesus disse: “Onde houver três seres divinos, eles são divinos. Onde houver dois ou um, eu estou com aquele.” Dito 31. Jesus disse: “Nenhum profeta é bem aceito em sua própria vila; nenhum médico cura aqueles que o conhecem.” Dito 32. Jesus disse: “Uma cidade construída em uma alta colina e fortificada não pode cair. Nem pode ser escondida.” Dito 33. Jesus disse: “Aquilo que ouvirdes em vosso ouvido, proclamai aos outros ouvidos do alto dos vossos telhados. Pois ninguém acende uma lâmpada e a coloca sob um cesto, nem a coloca em um lugar escondido. Antes, ela é colocada em um lampadário de modo que todos que entram e saem vejam sua luz.” Dito 34. Jesus disse: “Se um cego conduzir outro cego, ambos cairão no poço.” Dito 35. Jesus disse: “Não se pode entrar na casa de um homem forte e tomá-la pela força sem antes atar suas mãos. Então é possível revistar sua casa.” Dito 36. Jesus disse: “Não vos preocupeis, desde a manhã até a noite e da noite até a manhã, com aquilo que ireis vestir.” (no frag. grego temos: “[que alimento] vós [comereis], [ou] que [roupa] vestireis. [Sois muito] melhor do que os [lírios], que não cardam nem tecem. E quanto a vós, o que [vestireis] quando não tiverdes nenhuma roupa? Quem acrescentaria à vossa estatura? É ele que vos dará a vossa roupa.”) Dito 37. Seus discípulos disseram: “Quando te revelarás para nós e quando te veremos?” (no frag. grego: “Quando serás visível para nós, e quando te contemplaremos?”) Jesus disse: “Quando vos despirdes (ficardes nus) sem sentir vergonha, e tirardes vossas roupas e as puserdes sob vossos pés e as pisoteardes como criancinhas, então vereis o Filho do Vivo (Daquele que Vive) e não tereis medo.” Dito 38. Jesus disse: “Muitas vezes desejastes ouvir estas palavras que vos digo. E não tendes ninguém mais de quem ouvi-las. Haverá dias em que me buscareis e não me encontrareis.” Dito 39. Jesus disse: “Os fariseus e os escribas (eruditos) tomaram as chaves do conhecimento e eles as esconderam. Não entraram, nem pemitiram que aqueles que queriam entrar entrassem. Quanto a vós, sede tão astutos como as serpentes e tão inocentes como as pombas.” Dito 40. Jesus disse: “Uma videira foi plantada separada do Pai. Mas como não é forte e saudável, será arrancada pelas raízes e perecerá.” Dito 41. Jesus disse: “Aqueles que possuam (lit. “em suas mãos”), mais lhes será dado, e aqueles que não possuam, mesmo o pouco que tenham lhes será tirado.” Dito 42. Jesus disse: “Sede passantes.” (Particípio do verbo grego paragein, “ir passando por alguma coisa ou alguém") Dito 43. Seus discípulos lhe disseram: “Quem sois vós para nos dizerdes estas coisas?” [Jesus lhes disse:] “Não entendeis quem sou eu a partir daquilo que vos digo? Com efeito, vos tornastes como muitos judeus, pois eles amam a árvore mas odeiam seus frutos, ou eles amam os frutos mas odeiam a árvore.” Dito 44. Jesus disse: “Aquele que blasfemar contra o Pai será perdoado, aquele que blasfemar contra o Filho será perdoado, porém aquele que blasfemar contra o Espírito Santo não será perdoado, nem na terra nem no céu.” Dito 45. Jesus disse: “Uvas não são colhidas nos espinheiros, nem figos são apanhados nos abrolhos, pois eles não dão frutos. As pessoas boas geram bondade a partir do que juntaram (guardaram, estocaram); as pessoas más produzem coisas más a partir da perversidade que juntaram em seus corações, e daí dizem coisas más. Pois a partir daquilo que transborda de seus corações elas geram o mal (coisas más).” Dito 46. Jesus disse: “Desde Adão até João Batista, entre aqueles nascidos de mulheres, nenhum é maior do que João Batista, de modo que seus olhos não baixem (diante dele). Mas tenho dito que aquele dentre vós que se tornar uma criança conhecerá o Reino e se tornará maior do que João (Batista).” Dito 47. Jesus disse: “Uma pessoa não pode montar dois cavalos ou vergar dois arcos, e um servo não pode servir dois mestres, pois honrará um e ofenderá o outro. Ninguém bebe vinho velho e imediatamente deseja beber vinho novo. Vinho novo não é derramado em velhos odres, pois eles podem se romper, e vinho velho não é derramado em um odre novo, pois ele pode estragar. Um velho remendo não é costurado em uma roupa nova, uma vez que ele pode rasgar.” Dito 48. Jesus disse: “Se dois fizerem as pazes um com o outro numa mesma casa, eles dirão a uma montanha: ‘mude-se (mova-se) para outro lugar’ – e ela se mudará.” Dito 49. Jesus disse: “Bem-aventurados aqueles que são solitários e eleitos (ou “os solitários e as pessoas eleitas”), porque encontrareis o Reino. Pois do Reino viestes, e para lá outra vez retornareis.” Dito 50. Jesus disse: “Se vos disserem: ‘De que lugar viestes (de onde sois)?’, dizei-lhes: ‘Viemos da luz – do lugar onde a luz veio à existência por si mesma, se estabeleceu (em repouso), e se manifesta na imagem deles.’ (ou “às imagens deles”) Se vos disserem: ‘Quem sois vós?’, dizei: ‘Somos sua prole (seus filhos), e somos os escolhidos do Pai vivo.’ Se vos perguntarem: ‘Qual é o sinal do vosso Pai dentro de vós?’, dizei-lhes: ‘É movimento e repouso.’” Dito 51. Seus discípulos disseram-lhe: “Quando o repouso dos mortos terá lugar, e quando o mundo novo chegará?” Ele lhes disse: “O que aguardais já veio, mas vós não o reconheceis.” Dito 52. Seus discípulos disseram-lhe: “Vinte e quatro profetas ministraram em lsrael, e todos eles falaram de ti.” Ele lhes disse: “Tendes descuidado [Aquele] Vivo que está em vossa presença, e tendes falado dos mortos.” Dito 53. Seus discípulos lhe disseram: “A circuncisão beneficia ou não?” Ele lhes disse: “Se ela beneficiasse, os pais das pessoas as gerariam de suas mães já circuncidadas. Antes, é a verdadeira circuncisão em espírito que torna-se beneficente sob todos os aspectos.” Dito 54. Jesus disse: “Bem-aventurados [os pobres], pois vosso é o Reino dos céus.” Dito 55. Jesus disse: “Aquele que não odeia pai e mãe não pode ser meu discípulo, e aquele que não odeia seus irmãos e irmãs e não toma sua cruz como eu não será digno de mim.” Dito 56. Jesus disse: “Aquele que chegou a conhecer o mundo descobriu um cadáver, e o mundo não é digno daquele que descobriu tal cadáver.” Dito 57. Jesus disse: “O Reino do Pai se assemelha a um homem que tinha [boa] semente. Seu inimigo veio de noite e espalhou sementes de erva daninha junto da semente boa. O homem não deixou que arrancassem a erva daninha, dizendo: ‘Não o façais por receio de que, ao arrancar a erva daninha, arranqueis o trigo juntamente com ela. Assim, no dia da colheita, a erva daninha ficará aparente e será arrancada e queimada.’” Dito 58. Jesus disse: “Bem-aventurado aquele que sofreu (trabalhou) e encontrou vida.” Dito 59. Jesus disse: “Que o vosso olhar esteja voltado para o Vivo enquanto estiverdes vivo, de outro modo podereis morrer e então tentar ver o Vivo e não sereis capazes de vê-Lo.” Dito 60. [Ele viu] um samaritano indo para a Judéia, carregando um cordeiro. E disse aos seus discípulos: “[Porque está] essa pessoa [carregando] o cordeiro?” Eles lhe disseram: “A fim de o matar e o comer.” Ele lhes disse: “Ele não o comerá enquanto estiver vivo, mas somente quando o matar e ele se tornar um cadáver.” Eles disseram: “De outro modo ele não pode fazer isso.” Ele lhes disse: “Assim também com vós, procurai um lugar de repouso (pausa, descanso) para vós mesmos, para que não vos torneis uma cadáver e sejais comidos.” Dito 61. Jesus disse: “Dois repousarão num sofá: um morrerá, o outro viverá.” Salomé disse: “Quem és tu, ó homem? Subistes em meu sofá e comestes da minha mesa como se fossemos um.” Jesus lhe disse: “Eu sou aquele que vem daquilo que não é dividido. Foram-me dadas das coisas de meu Pai.” [...] Salomé disse: “Eu sou tua discípula.” [...] [Jesus disse:] “Porisso digo, uma pessoa assim, não dividida (inteira, íntegra, integrada) tornar-se-á cheia de luz, mas uma pessoa dividida tornar-se-á cheia de trevas.” Dito 62. Jesus disse: "Revelo meus mistérios àqueles [que são dignos] de [meus] mistérios. Que vossa mão esquerda não saiba o que vossa mão direita está fazendo." Dito 63. Jesus disse: “Havia um homem rico que tinha muito dinheiro. Ele disse: ‘Investirei minha riqueza a fim de semear, colher e armazenar, até encher meus celeiros de mantimentos, para que nada me falte.’ Tais eram as coisas que pensava em seu coração, porém naquela mesma noite ele morreu. Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça!” Dito 64. Jesus disse: “Um homem recebia hóspedes de fora. Tendo preparado a ceia, enviou seu servo para convidar outras pessoas. O servo foi ao primeiro e disse: ‘Meu senhor vos convida’. Esse lhe disse: ‘Alguns atacadistas me devem; eles virão esta noite e terei de dar-lhes instruções. Agradeço o convite para o jantar’. + O servo foi a outro e disse: ‘Meu senhor vos convida’. Esse disse ao servo: ‘Comprei um imóvel, e estou ocupado nessa ocasião. Não posso ir’. O servo foi até um outro e disse: ‘Meu senhor vos convida’. Esse disse ao servo: ‘Um amigo está se casando e vou oferecer o jantar. Não posso ir, tenho de declinar o convite’. O servo foi a mais outro e disse: ‘Meu mestre vos convida’. Esse disse ao escravo: ‘Comprei uma vila; tenho que receber aluguéis. Não posso ir. Tenho de agradecer o convite’. O servo veio e disse a seu senhor: ‘As pessoas que convidastes para a ceia agradeceram o convite e declinaram’. O senhor disse ao servo: ‘Anda pelas ruas; convida os que encontrares para o jantar’. Compradores e comerciantes não entrarão nos lugares de meu Pai.” Dito 65. Ele disse: “Um homem [de posses, que emprestava dinheiro] tinha uma vinha e a entregou nas mãos de arrendatários para que a cultivassem, de modo que pudesse obter um rendimento. Ele enviou seu servo para que os cultivadores dessem o rendimento da vinha ao servo. Eles o agarraram, surraram e quase mataram o servo, e esse foi e falou para seu senhor. Seu amo disse: ‘Talvez eles não o [o servo] reconhecessem’, e enviou outro servo. Os cultivadores bateram no outro servo. Depois disso, o proprietário enviou seu filho e disse: ‘Talvez respeitem meu filho’. Os cultivadores reconhecendo que era o herdeiro da vinha, o agarraram e o mataram. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça!” Dito 66. Jesus disse: “Mostrai-me à pedra rejeitada pelos construtores: essa é a pedra angular.” Dito 67. Jesus disse: “Aquele que conhece todas as coisas, mas está carente dentro de si mesmo, está carente de todas as coisas.” Dito 68. Jesus disse: "Bem-aventurados sereis quando odiados e perseguidos. Que não se encontre o lugar onde quer que tenhais sido perseguidos." Dito 69. Jesus disse: “”Bem-aventurados são aqueles que foram perseguidos (até mesmo) em seus corações: eles são verdadeiramente os que chegaram a conhecer o Pai. Bem-aventurados os que têm fome (a fim de saciar os famintos), pois a barriga daquele em necessidade pode ser preenchida.” Dito 70. Jesus disse: “Se manifestardes aquilo que está dentro de vós, aquilo que tendes (dentro de vós) vos salvará. Se não tiverdes (aquilo) dentro de vós, aquilo que não tendes vos matará.” Dito 71. Jesus disse: “Destruirei [esta] casa, e ninguém poderá construí-la [novamente].” Dito 72. Uma [pessoa disse] a ele: “Diga a meus irmãos que dividam suas posses comigo.” Ele disse à pessoa: “Homem, quem fez de mim um repartidor?” Voltou-se para seus discípulos e lhes disse: “Não sou um repartidor, sou?” Dito 73. Jesus disse: “A messe (safra, colheita) é grande mas os operários são poucos, assim, pedi ao senhor da colheita que envie operários para os campos.” Dito 74. Ele disse: “Senhor, há muitos em volta (nas proximidades) do bebedouro, mas ninguém na cisterna (poço).” Dito 75. Jesus disse: “Há muitos em pé diante da porta, mas somente aqueles que estão sós entrarão na câmara nupcial.” Dito 76. Jesus disse: “O Reino do Pai se assemelha a um negociante que tinha um estoque de mercadoria e soube da existência de certa pérola. Esse mercador era perspicaz, vendeu toda a mercadoria e comprou a única pérola. Vós, também, buscai aquele tesouro que não falha, que é duradouro, lá onde a traça não se aproxima para roer e (onde) nenhum caruncho vem para destruir.” Dito 77. Jesus disse: “Eu sou a luz que está sobre todos. Eu sou a totalidade. De mim tudo veio, e é para mim que tudo se expande. Rachai um pedaço de madeira, lá estou eu. Levantai uma pedra, lá me encontrareis.” Dito 78. Jesus disse: “Por que saístes para o campo? Para verdes um junco balançando ao vento? E para verdes alguém vestido de roupas finas [como vossos] governantes e vossos homens no poder? Eles usam finas roupas, mas não podem compreender a verdade?” Dito 79. Uma mulher na multidão lhe disse: “Bem-aventurados são o ventre que te abrigou e os seios que te alimentaram.” Ele [lhe] disse: “Bem-aventurados são aqueles que ouviram a palavra do Pai e que verdadeiramente a guardaram. Pois haverá dias em que direis: ‘Bem-aventurados são o ventre que não concebeu e os seios que não amamentaram.’” Dito 80. Jesus disse: “Aquele que veio a conhecer o mundo descobriu o corpo, e o mundo não é digno daquele que descobriu o corpo.” (Este dito é quase idêntico ao de nº 56, que iguala o mundo a um “cadáver”, ptõma, em grego, em vez de corpo, tosõma, em grego.) Dito 81. Jesus disse: “Aquele que se tornou rico deve reinar, e aquele que tem poder deve renunciar [a ele].” Dito 82. Jesus disse: “Aquele que está perto de mim está perto do fogo, e aquele que está longe de mim está longe do Reino.” Dito 83. Jesus disse: “As imagens estão manifestadas aos seres humanos. Mas a luz dentro delas permanece velada na imagem da luz do Pai. O Pai será revelado, mas sua imagem permanecerá velada por sua luz.” Dito 84. Jesus disse: “Quando vedes vossa semelhança (como num espelho) ficais exultantes. Mas quando conhecerdes vossas imagens que vieram à existência antes de vós, e nem morrem nem se tornam visíveis, quanto mais tereis de vivenciar (suportar)!” Dito 85. Jesus disse: “Adão veio (à existência) a partir de um grande poder e de uma grande riqueza, mas ele não foi digno de vós. Porque, se tivesse sido digno (de vós), não teria morrido (provado a morte).” Dito 86. Jesus disse: “[As raposas têm] suas tocas e as aves têm seus ninhos, mas o filho do homem não tem um lugar para deitar-se e repousar.” Dito 87. Jesus disse: “Infeliz é o corpo que depende de um corpo, e infeliz é a alma que depende desses dois.” Dito 88. Jesus disse: “Os mensageiros e os profetas virão até vós e vos darão aquilo que a vós pertence. De vossa parte, dai a eles o que tendes, e dizei a vós mesmos: ‘Quando virão eles e tomarão aquilo que a eles pertence?’” Dito 89. Jesus disse: “Por que lavais o exterior da taça? Não percebeis (compreendeis) que o que fez o interior é também o que fez o exterior?” Dito 90. Jesus disse: “Vinde a mim, pois meu jugo é fácil e minha autoridade (ou “senhorio”, a relação entre senhor e escravo) é suave, e encontrareis repouso para vós mesmos.” Dito 91. Eles lhe disseram: “Dize-nos quem és, para que creiamos em ti.” Ele lhes disse: “Examinais a face do céu e da terra, e não reconheceis aquele que está diante de vós, e não conheceis como examinar o tempo presente.” (ou “esse tempo de crise”, no grego: kairos) Dito 92. Jesus disse: “Buscai e encontrareis. No passado, no entanto, não vos respondi algumas coisas que me perguntastes. Agora estou querendo vos falar (responder) tais coisas, mas não as estais buscando.” Dito 93. [Jesus disse:] “Não deis o que é sagrado aos cães, pois eles podem jogá-lo no lixo. Não jogueis pérolas [aos] suínos, eles podem desperdiçá-las na lama.” Dito 94. Jesus [disse]: Aquele que busca, encontrará, e para aquele [que bate] lhe será aberto.” Dito 95. [Jesus disse]: “Se tendes dinheiro, não o empresteis cobrando juros. Antes, dai [o dinheiro] àquele que não o devolverá.” Dito 96. Jesus [disse]: “O Reino do Pai se assemelha a [uma] mulher que tomou uma pequena porção de fermento, o [misturou] na massa, e produziu grandes pães. Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça!” Dito 97. Jesus disse: “O Reino do [Pai] se assemelha com uma mulher que estava levando um [jarro] cheio de farinha. Enquanto ela viajava por uma estrada distante, a alça do jarro se quebrou e a farinha foi se derramando atrás dela [pela] estrada. Ela não se deu conta do acidente que tinha acontecido. Quando chegou em sua casa, baixou o jarro e descobriu que ele estava vazio.” Dito 98. Jesus disse: “O Reino do Pai se assemelha a um homem que queria matar um homem poderoso. Enquanto estava em sua casa, ele puxou a espada e a cravou na parede, para saber se sua mão estaria forte o suficiente. Então, ele foi e matou o homem poderoso.” Dito 99. Os discípulos lhe disseram: “Vossos irmãos e vossa mãe estão esperando lá fora”. Ele lhes disse: “Aqueles aqui que cumprem a vontade de meu Pai são meus irmãos e minha mãe. Eles são os que entrarão no Reino de meu Pai.” Dito 100. Eles mostraram a Jesus uma moeda de ouro e lhe disseram: “Os homens de César estão nos cobrando impostos.” Ele lhes disse: “Dai a César aquilo que pertence a César, dai a Deus aquilo que pertence a Deus, e dai-me aquilo que a mim pertence.” Dito 101. [Jesus disse:] “Aquele que não odeia [pai] e mãe como eu não pode ser meu [discípulo], e aquele que [não] ama [pai e] mãe como eu não pode ser meu [discípulo]. Pois minha mãe [me deu ilusão], porém minha verdadeira [mãe] me deu vida.” Dito 102. Jesus disse: “Ai dos fariseus. Pois eles são como um cão dormindo na manjedoura do gado, porque ele nem come nem [deixa] o gado comer.” Dito 103. Jesus disse: “Bem-aventurados aqueles que sabem por onde os ladrões vão entrar, de modo que possam se preparar, reunir suas forças (armas), e estarem prontos antes que os ladrões cheguem.” Dito 104. Eles disseram a Jesus: “Vamos, rezemos hoje, e jejuemos.” Jesus disse: “Qual o pecado que cometi, ou em que fui derrotado? Antes porém, quando o noivo sair da câmara nupcial, então, que as pessoas jejuem e orem.” Dito 105. Jesus disse: “Aquele que conhece o pai e a mãe será chamado de filho de uma prostituta.” Dito 106. Jesus disse: “Quando fizerdes do dois apenas um, vos tornareis crianças da humanidade; e quando disserdes: ‘Montanha, mova-se daqui!’, ela se moverá.” Dito 107. Jesus disse: “O Reino é semelhante a um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas, a maior, se extraviou. Ele deixou as noventa e nove e procurou por ela até que a encontrou. Depois de seu esforço, ele disse à ovelha: ‘Eu te amo mais do que às noventa e nove’.” Dito 108. Jesus disse: “Aquele que bebe da minha boca tornar-se-á como eu; eu mesmo me tornarei tal pessoa, e os mistérios lhe serão revelados.” Dito 109. Jesus disse: “O Reino é como um homem que tinha um tesouro escondido em seu campo mas não sabia. Quando ele morreu, deixou o campo para seu [filho]. O filho não sabia [do tesouro]. Ele recebeu o campo e o vendeu. O comprador ao arar o campo [descobriu] o tesouro, e começou a emprestar dinheiro a juros a todos que desejou emprestar.” Dito 110. Jesus disse: “Aquele que encontrou o mundo e tornou-se rico, que ele renuncie ao mundo.” Dito 111. Jesus disse: "Para aquele que estiver vivo a partir do Vivo os céus e a terra se abrirão e ele não conhecerá nem morte nem [temor]. O mundo não é digno daquele que encontrou a si mesmo." Dito 112. Jesus disse: “Infeliz da carne que depende da alma. E pobre da alma que depende da carne.” Dito 113. Seus discípulos disseram: “Quando virá o Reino?” [Jesus disse:] “Ele não virá por ser esperado. Não se dirá: ‘Vejam, (o Reino) está aqui’. Ou, ‘vejam, (o Reino) está lá’. Em vez disso, o Reino do Pai está espalhado pela terra, mas as pessoas não o vêem.” Dito 114. Simão Pedro lhes disse: “Que Maria nos deixe, pois as mulheres não são dignas da vida.” Jesus disse: “Vede, vou orientá-la para que se torne masculina, a fim de que ela também se tome um espírito vivo semelhante a vós, homens (machos). Pois todo (elemento) feminino (ou, toda mulher) que se faz masculino (ou, macho) entrará no Reino dos Céus.” ............................... Apócrifos. Conhecer, ponderar, reter o que for bom...

Sem comentários:

Enviar um comentário