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O ARRAIÁ DOS DEUSES: A ORIGEM DAS FESTAS JUNINAS

Apolo vestido a caráter numa 'reconstituição' das targélias

De onde veio a festa junina? Antes de falarmos sobre quadrilha, fogueira, pamonha e quentão, vamos ter de falar sobre ciência e história. Todo mês de junho, há uma data em que o dia e a noite têm a maior diferença de duração – o solstício.
No Hemisfério Norte, é o mais longo dia de todo o ano. Esse é o período da colheita na Europa e, até mais ou menos o século 10, com os últimos pagãos se convertendo, as populações dos campos comemoravam a data e faziam sacrifícios para afastar demônios e pragas.
“Como a agricultura é associada à fertilidade, cada região celebrava seu casal de deuses específico. No Egito, os votos eram para Ísis e Osíris. Na Grécia, havia a festa de Cronus, o patrono da agricultura, ou, apenas para as mulheres, Adônis e Afrodite, quando elas faziam plantações rituais e caíam na farra.
Outro relembrado era Prometeu, o criador da humanidade - e quem trouxe a eles o fogo - não é um mistério como ele era celebrado. "O formato era mais ou menos como a gente conhece, com comida regional, danças e fogueira”, afirma a antropóloga e professora da PUC, Lúcia Helena Rangel.

A Igreja Católica, cujo Deus não era homenageado, considerava essas festas como meros rituais pagãos. Mas, como não conseguiu acabar com elas, resolveu adaptá-las ao universo cristão. “Já no século 13, três santos passaram a ser homenageados no mês de junho: Santo Antônio (dia 13), São João Batista (dia 24) e São Pedro (dia 29)”, explica a antropóloga Lúcia Rangel.

São João Batista, em particular, é o que cai mais perto do solstício. Como ninguém sabe quando ele nasceu realmente, a data foi escolhida pela conveniência de sobrescrever os rituais pagãos, e veio a calhar de ser exatos seis meses antes do Natal. São João é celebrado com fogueiras em quase todo o mundo cristão.
E foi aí que nasceu a festa junina. Três séculos depois, já nos anos 1500, os portugueses chegaram ao Brasil e, junto com eles, suas tradições. “O primeiro registro de festa comemorativa a São João data de 1583, em São Paulo, feito pelo jesuíta Fernão Cardim”, afirma Fernando Pereira, professor de cultura popular e cultura midiática da Universidade Mackenzie.
As comemorações por aqui foram adaptadas, até porque em junho é inverno, exatamente o oposto – o dia do solstício é o mais curto do ano.“Entre os elementos que foram ‘abrasileirados’ estão os pratos típicos, em geral derivados do milho, a música e as roupas”, explica o professor Pereira.

Certo: os santos tomaram o lugar dos deuses e o verão virou inverno, mas  por que raios as pessoas se vestem de caipira? A resposta, para o professor Pereira, é tão simples que chega a ser frustrante: festa junina é uma celebração rural, da colheita. Assim como as mulheres gregas das cidades plantavam trigo para Adônis, nós nos vestimos de agricultores. 
Ou o que achamos que sejam os agricultores. “A figura do Jeca Tatu, criada por Monteiro Lobato, definia o caipira como indolente, preguiçoso, malvestido, sem dentes e com roupas rasgadas. Esse é o estereótipo que ficou. Como pesquisador, nunca aceitei essa caracterização”, diz o professor. Pereira ainda assim enxerga nas festas juninas um grande símbolo nacional, sobretudo no Nordeste. “Principalmente em Pernambuco e na Bahia, as tradições são mantidas com muito forró pé-de-serra e acordeão.”
O milho é rei

No Brasil, o cardápio das festas juninas foi adaptado à cultura agrícola local. Quando os portugueses chegaram aqui, rapidamente transmitiram aos índios suas tradições, mas também adotaram algumas. “Milho era um alimento muito utilizado pelos indígenas, ainda mais em junho, época de colheita. Então, desde o século 16, passou-se a preparar para as festas juninas uma série de derivados de milho, como bolos, caldos, pamonhas, bolinhos fritos, curau, milho cozido, canjica, dentre outras muitas variações”, afirma Fernando Pereira.
No século 19, o Brasil passou a receber uma grande leva de imigrantes, que trouxeram para o cardápio da festa algumas especialidades, adequadas também para o clima mais frio dos locais para onde se mudaram. Os tradicionais vinho quente, pinhão e espetos de churrasco, “exportados” para o Norte.

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