BEM VINDO

BEM VINDO
BIBLIA

visitas online


História de Araçuaí – Leopoldo Pereira

História de Araçuaí – Leopoldo Pereira – Imprensa Oficial
1907 – Leopoldo Pereira – 18/11/1868
O Padre Carlos Pereira de Moura havia fundado no vértice dos ângulos de confluência dos Rios Araçuaí e Jequitinhonha a Aldeia do Pontal. Esplêndida perspectiva, terras férteis, os dois grandes rios, a viração do vale, que abate o calor, o fácil acesso às canoas, um conjunto de qualidades locais indicava aquele lugar para uma cidade.
Mas o Padre Carlos era excessivamente autoritário e exigente.
Lançando os fundamentos de uma futura cidade, portou-se como senhor de alta e baixa justiça, e uma de suas determinações foi que não se consentissem ali meretrizes nem bebidas alcoólicas.
As infelizes mulheres emigraram, e, atraídos por elas os canoeiros mudaram de porto.
Nesse tempo era proprietária da Fazenda da Boa-Vista da Barra do Calhau uma velha mulata de nome Luciana Teixeira, a que A. de Saint-Hilaire se refere no seu livro de viagens. Esta boa mulher deu abrigo aos emigrantes do pontal em suas terras à margem direita do ribeirão do Calhau e de Araçuaí. Tornou-se este o ponto de arribada das canoas que subiam o Jequitinhonha.
Começou ali a cidade de Araçuaí. Ainda existem lá casas desse tempo, e o Major Carlos Freire mas indigitou, e disse-me que acompanhou dia a dia os progressos da cidade. Ao venerável ancião de mais de 80 anos de idade e a seu sobrinho, Coronel Inácio Murta, devo muita das informações históricas que por estas páginas transmito à posteridade.
A Cidade de Araçuaí está fundada na confluência do Ribeirão do Calhau com o Rio Araçuaí, à margem direita de ambos. É uma longa planície apertada entre duas altas chapadas, a do Piauí a leste e a do Candonga a oeste, na altitude de 314 metros, sendo que as duas chapadas, a pequenas distâncias, têm a altitude de 700 metros.
As coordenadas da cidade, tomadas pelo Engenheiro Schnoor, são:
Latitude 16º - 55’ – 35"
Longitude oriental (meridiano do Rio de Janeiro), em tempo, 5 minutos e 21 segundos: em arco 1º - 20’ – 8".
Está situada a 4 léguas da extrema meridional do município e a 60 de distância da setentrional.
As ruas são tortuosas e estreitas, demonstrando que a fundação da cidade não obedeceu a um plano preconcebido, e que ela se foi estendendo pela planície segundo as necessidades ocasionais.
A perspectiva não é agradável. Porque vista de qualquer das eminências vizinhas, a cidade é no fundo do vale uma grande mancha avermelhada, pois só se vêem os telhados.
As casas, quase todas de madeira, são geralmente baixas e de má aparência. Os edifícios mais notáveis são: - o hospital, vasta casa de bom-gosto moderno, não acabada ainda, por ter sido assassinado no Rio de Janeiro seu fundador, Coronel Gentil de Castro, que a construía a sua custa para com ela dotar sua terra natal; - a cadeia, onde funciona também a câmara e o júri, casarão antigo e de desgraciosa aparência, reconstruído ultimamente; e a igreja-matriz, não concluída ainda.
O telegrafo, a coletoria, o correio e o grupo escolar funcionam em casas particulares.
Os matos ao redor são caatingas baixas, que no estio se despojam de toda a folhagem: há também amplas planícies empastadas.
O Rio Araçuaí tem no porto da cidade 130 metros de largura, e é de grande beleza na curva que banha a cidade, onde ele às vezes penetra, quando transborda nas grandes enchentes. O Ribeirão do Calhau corre somente algumas vezes no ano. Acima da cidade há uma bela ilha, que fica em frente a um outeiro, onde foi a casa de Luciana Teixeira.
A população pode ser orçada em 3.000 habitantes, mas a região vizinha é toda ocupada por pequenas habitações de lavradores.
O clima é quente, seco e saudável.
A fundação da cidade de Araçuaí deve ser fixada entre os anos de 1830 e 1840. Em 1851 a Paróquia do Calhau foi desmembrada do Município de Minas Novas e elevada à categoria de vila, e em 1871 à de cidade, sendo instalado o foro nesse mesmo ano pelo Dr. Pedro Fernandes Pereira Correa. O primeiro presidente da Câmara foi o Coronel Carlos da Cunha Peixoto.
A cidade progrediu extraordinariamente em população e comércio dentro de poucos anos, chegando então ao auge de seu desenvolvimento a navegação do Jequitinhonha.
Em 1894, foi instalada a Escola Normal, que durou 10 anos.
Em 1875 apareceu o primeiro número do Norte de Minas, periódico redigido pelo Padre Pedro Celestino Rodrigues Chaves.
Depois deste teve a cidade outro jornal, o Arassuahy, órgão do governo municipal, e ultimamente O Commercio, que se edita ainda.
O grupo escolar funciona desde 1907, e o hospital, com más acomodações, por não estar concluído ainda, desde sua fundação em 1894.
Araçuaí, entretanto, apesar de seus recursos, nunca será uma grande cidade, pelo menos uma cidade moderna. Faltam-lhe para isso os principais elementos.
Um deles é a água. O grande rio que a banha é muito baixo e, tendo a declividade de 1 por 1.000, não será possível desviar-lhe a água para as necessidades de um grande centro de população; e nas vizinhanças não há mananciais permanentes.
A navegação por canoas está, pode se dizer, extinta e os dois grandes rios não são navegáveis à vapor. Além disso a região da mata, que vai progredindo, atrairá toda imigração, em prejuízo das catingas, cujo centro é Araçuaí.
Araçuaí
Calhau era o nome do arraial que nos anos de 1830 começou a formar-se na planície entre a chapada do Piauí e a do Candonga, onde o instável Calhauzinho faz barra no caudeloso Rio Araçuaí, ficando o arraial na margem direita de ambos.
Calhau chama-se o cascalho de pedras lisas e arredondadas pela correnteza da água dos córregos. Com este cascalho estão ainda calçadas algumas ruelas da zona velha da cidade que bem possível àquele "luxo" deve seu primeiro nome. Mas seja como for, ainda hoje usam o nome "Calhau", embora que já em 1857, quando o mesmo lugar foi criado vila, tivesse mudado seu nome para Arassuahy, que com a moda da ortografia virou Arassuaí, e ultimamente Araçuaí.
Dizem que isso significa: Rio das Araras Grandes. Outros explicam que seria: Rio dos Cocares Grandes. Em 1871 aquela vila chegou a categoria de cidade.
A povoação surgiu espontaneamente pela aglomeração de canoeiros do Jequitinhonha que procuravam encontrar-se com negociantes do interior para trocar a carga que, em viagem perigosa de umas semanas, traziam da beira-mar: sal, cocos, mercadorias estrangeiras importadas através do Rio de Janeiro e Salvador, para trocá-las por algodão, pano e cobertores grossos, fiados na região de São Domingos, e outros produtos do sertão. Aqueles navegantes já tinham tentado atracar e firmar-se num sítio do outro lado do rio, uma légua mais abaixo, na "Barra do Pontal" na confluência do Araçuaí com o mais largo Jequitinhonha.
Já há muito tempo havia um porto fluvial (cabotagem só de canoas) no Jequitinhonha um mais para cima do Pontal, no Tocoiós, que por um caminho regular estava ligado a Minas Novas e toda aquela região afamada de ouro e diamantes, de garimpeiros e aventureiros. Mas depois o auge do ouro e acabando a facilidade de dinheiro naquela zona, o pessoal havia de pensar em outros recursos. No Rio Araçuaí abaixo haviam boas terras para lavoura e pastagens. Arriscando conflito com os índios que lá acharam os meios de sua subsistência, os "cristãos" invadiram as matas do Setúbal e do Gravatá, do Calhau e do Piauí, todos afluentes na margem direita do Araçuaí.
O pontal da barra dos dois grandes rios seria o lugar apropriado para isso. Embora ainda não existisse, no alto, a igreja colonial com suas duas torres, dedicadas ao Senhor da Boa Vida (falavam: da Boa Viagem), a topografia do lugar, convidava os remadores, o proeiro, os passageiros para amarrar e desembarcar depois da viajem penosa de tantos dias no rio com seus perigos de escolhos e cachoeiras. Lá seria um centro bom para fazer negócios com os moradores da valada de ambos os rios, de São Domingos (Virgem da Lapa), de Sucuriú (Francisco Badaró) e das novas terras ao redor.
Mas Pontal era propriedade do Vigário de São Domingos, o Pe. Carlos Pereira Freire de Moura, pertencente à nobreza da região que embrenhou-se naqueles ermos por estar implicado na conspiração dos Inconfidentes. O Pe. Carlos é o mesmo que mais tarde foi nomeado bispo de Mariana, mas que antes de ser sagrado morreu na viagem.
Era um sacerdote devoto e exemplar, que não admitiu na sua fazenda, com movimento comercial, um comércio carnal.
Pois o paradeiro de muitos homens, ainda meio selvagens devia provocar também o alojamento de muitas meretrizes. Uma grande parte dos marinheiros do rio eram machacalis do Farranchos e botocudos mal-amansados da Sétima Divisão de São Miguel (Jequitinhonha). Gente, portanto, pouco escrupulosa e muito adita aos vícios de beber, brigar e devassar. Por isso o Pe. Carlos não permitia nem meretrizes nem cachaçada no Pontal.
A lenda de Luciana Teixeira, que seria fundadora de Calhau, é tenaz, repetida mil vezes, ainda no ano de 1979 no jornal "Estado de Minas" (10 de Janeiro). É uma interpretação mal feita, popular, absurda, duma noticia no diário do célebre viajante francês August de Saint-Hilaire, que em 1917, na festa de Pentecostes passou e se hospedou na casa daquela velha e devota matrona, no mesmo dia em que também um sacerdote estava lá em visita. Este tinha viajado nove léguas e devia ser da paróquia de Água Suja (Berilo): o vigário visitando o seu povo na festa do Divino.
Saint-Hilaire escreve: "Pousei na habitação de Boa Vista, talvez a mais agradavelmente situada entre todas as que até esse momento vira. É construída sobre o cume de uma colina isolada, embaixo da qual deslizam com lentidão as águas límpidas do Araçuaí..."
"Boa Vista era a morada de uma velha mulata chamada LUCIANA TEIXEIRA. Tendo sabido que eu viajava com passaporte do governo, essa boa mulher cumulou-me de atenções e pondo-se quase de joelhos, quis abraçar-me as coxas; mas compreende-se bem que recusei semelhante gentileza. Passei em Boa Vista o dia de Pentecostes. Um sacerdote lá chegará, vindo de nove léguas de distância e todos os colonos da vizinhança se tinham reunido na habitação com os filhos e netos da minha hospedeira para assistir ao serviço divino. Essa boa gente jantou em casa dela. A mesma mesa foi posta e desfeita várias vezes e os que, depois disso, acharam não ter comido bastante, jantaram de qualquer maneira".
Aquela fazenda "Boa Vista", Luciana, era então um local de pessoal religioso, ordeiro e direito. Aliás, isso sugere também o nome completo dela que encontramos nos antigos registros paroquiais, Luciana Teixeira Lages, de uma família estimada até o dia de hoje. Continuando sua viagem, depois de deixar a fazenda dela – assim escreve ainda Saint-Hilaire – atravessei pouco depois o ribeirão do Calhau, em que se encontram pedras preciosas, e que se lança no Araçuaí. Nenhuma menção, portanto, nenhuma palavra a respeito de um povoado naquele "Calhauzinho". E não seria mesmo possível, pois o arraial formou-se uns dez anos ou mais depois de 1817, e não na "Boa Vista" de Luciana, mas uns quilômetros abaixo. O nome de Luciana foi ligado, mais tarde, à origem do arraial, porque daquele tempo primitivo nesta zona nenhum outro nome ficou guardado. A conversa do povo encarregou-se então de inventar a "história".
Entretanto, pode ser que aquela "demandada e turbulenta classe dos canoeiros classe dos canoeiros" – assim o historiador de Araçuaí, Leopoldo Pereira aprecia os fundadores de Calhau – tenha invadido um recanto e ocupado um trecho da grande fazenda que Luciana possuía na beira do rio e sem mais nela se instalado. A questão é, se por volta de 1830 ela vivia ainda. Em todo o caso, nunca acompanhamos ou espalhamos aquela bobagem de que Luciana Teixeira tenha sido fundadora de Araçuaí.
O que o Padre Carlos temia para o seu pontal pacato, aconteceu na barra do Calhauzinho, no "Calhau": o "vício da origem" de Araçuaí... Com a abertura da estrada de rodagem o movimento de ônibus e caminhões substituiu a navegação do rio, e dos canoeiros sobrou só a lembrança pela característica estátua na Praça da Matriz.
Até 1911 Araçuaí era a capital de todo o Nordeste de Minas. Segundo um estatística de 1890 Araçuaí tinha 23.298 km2. Com este tamanho era o quinto município de Minas, após Januária, Paracatu Teófilo Otoni e Montes Claros.
Ela ocupava o quarto lugar numa estatística do número de comerciantes no municípios mineiros. Após Ponte Nova (331), Muriaé (302), e Belo Horizonte (289), Araçuaí tinha 261 comerciantes.
O Município tinha 11 grandes distritos: Araçuaí, São Domingos do Araçuaí (Virgem da Lapa), Santa Rita do Araçuaí (Medina), Comercinho, Santo Antônio da Itinga, São Miguel do Jequitinhonha, São Pedro do Jequitinhonha, Bom Jesus de Lufa, Bom Jesus do Pontal, Salto Grande, São João da Vigia. Mas em 1911 a cidade de Jequitinhonha herdou a metade daquele mundo, e em seguida vários outros povoados foram declarados independentes. Hoje Araçuaí tem 2.326 Km2. Pela abertura, uns tinta anos atrás, da grande artéria da Federação, a Rio-Bahia, que passa uns 75 km longe da cidade, o velho centro do Norte perdeu muito de sua importância.

Sem comentários:

Enviar um comentário